Adonay Moreira
Adonay Ramos Moreira é formado em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão e autor de cinco livros. Foi ganhador, em 2013, do 35º Concurso Literário Cidade de São Luís, na categoria novela, com a obra "O Labirinto".
1991-01-22 SANTA QUITERIA DO MARANHAO
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BREVE CANTO SOBRE NADA
Canto, graça e sombra. Baixa a noite, baixa a noite,
e com ela esse estranho pressentimento.
Nuvens que partem. Para onde?
Entre segredos, dois silêncios se revelam, se unem,
tornam-se água, fogo, suor…
Matéria do amanhecer: por entre detritos,
por entre velhas lojas, no monótono latido do cão,
no barulho da chuva que não nos traz uma
só gota de espiritualidade, por entre o tumulto,
há algo que ultrapassa esse incrível lamento
que preenche com sangue esses desejos inanimados,
essas rosas no escuro, esses primitivos desenhos na pedra.
A face se alonga. Mar e terra se aproximam.
Nus no escuro, perguntamos: o que faremos da noite?
Acaso o dia se estende e cobre os antigos objetos
do pátio, o que antes era corpo agora é silêncio,
modorra, pó, cansaço, papel e tinta.
A face se alonga: luz e véu compõem esses
distantes gemidos que gratuitamente acolhemos
em nosso peito que sonha.
(Às vezes, quando estou sozinho, que é sempre, ponho-me a
meditar e oro. Não vai muito e logo meu corpo cai adormecido.
E quando acordo há apenas esses incomunicáveis silêncios
que o crepúsculo deixa impressos no bosque).
Canto: a voz treme, porque foi recentemente inaugurada,
louva a luz, a carne, o sol. Inaugura na água
uma absurda imagem feita de pedra, uma sinfonia
sem sentido,
um barulho qualquer,
uma forma.
E mesmo assim ainda é linda.
É vasto esse grito emitido pela alma,
essas portas que se abrem,
esse sono que recolhe do chão esses pobres mortos
esquecidos e soberbos.
Ao menos o dia vivido, a noite que chega, a luz
que humanamente aquece e afaga.
Ao menos o instante,
a mão domada,
o silêncio. É isso, ao menos o silêncio que existe,
tornando visíveis esses anjos nus que dormem inocentes sobre a água.
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