Afonso Duarte

Afonso Duarte

Ereira, Montemor-o-Velho
1958-03-05 Coimbra
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O Medo das Sombras

Rondam sombras pelas telhas:
Não é vento são andanças
De bruxas! As bruxas velhas
Chupam o sangue às crianças.

A mãe dorme, a filha ao pé,
Em casa de telha vã
Onde nem há chaminé;

E de interiores deserta
É toda uma casa aberta
A chuva e sol da manhã.

E a filha diz para a mãe,
Como a mãe responde à filha,
Porque este drama não tem
A mais do que mãe e filha:

— Mãezinha, que é, que é?

— Não luz vidro no soalho,
Nem há lume de tição;
Está a gatinha ao borralho.

Oh! dorme, meu coração,
Susto, filha, não te dê:
A água do bebedouro
Espelha luz que se vê.

Longe vá o mau agouro,
Benza-me a luz que nos olha:
Quem não existe não é.

O pucarinho de folha
Lá está no mesmo pé.

— Pela telha destelhada,
Minha mãe, minha mãezinha,
Voar negro de andorinha
Com risos de gargalhada!

— Água da bica, lá fora,
Corre, corre, que se chora:
Filha minha, não tens sede?

— Como peixinhos na rede,
Sombras, ó mãe, na parede!

Não é nada não é nada:
Buraco da fechadura,
Em rosa de luz coada
Será a luz da madrugada
Que vem em nossa procura.

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