Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.

1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
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FRANZ: Isto de ser soldado

[FRANZ]:
Isto de ser soldado
Tem uma filosofia obrigatória
Como o pé ao fim da perna. Hoje vivo
Amanhã morto... D'aqui se conclui
Que sendo o vivo vivo enquanto é vivo
É morto é morto.
                OUTRO:  
Tira-lhe o cangirão da mão oh Vesgo
                [FRANZ]:
Ia eu dizendo — deixa o cangirão! —
Que quem hoje vive e que não sabe
Se amanhã viverá é viver hoje
Por amanhã. Como isto de amanhã
Nem é aí um dia, mas é muitos
Enquanto a gente vive é ir vivendo
Em cada dia como se ele fosse
Uma vida completa
—                             Bravo o vinho
Faz a este pensar. O que diria
O teu tio bêbado, oh Francisco?
                [FRANZ]:
                                                   É esta
A tal filosofia do soldado
A qual, senhores, a pensarmos bem
É a de toda a vida. E não é pouco.
                FAUSTO:
Dá-te o vinho razão, amigo. O homem
É um soldado. E este com certeza
De morrer no combate de amanhã.
Portanto a tal (...) filosofia
Que entre goles aí me gaguejaste
É mais certa que pensas, meu amigo.
É viver hoje que amanhã na vida
Não há talvez — é certo — vem a morte.
Bebo à saúde aqui do nosso amigo!
                TODOS:
À saúde do Franz!
                [FRANZ]:
                        Vá que o mereço!
Mas olha lá: dá cá o cangirão
Então só eu não beberei à minha?
                OUTRO:
Vá que é beber-lhe bem.
                                        Não é por ser
Minha saúde. É só por ser vinho
Minha mãe! Minha triste vida!
Minha sorte!
                (Chora)
                OUTRO:
        O que é isso?
                [FRANZ]:             
                                O cangirão
Não tem mais vinho! Caguei vida. Rei e corno!
Um rei corno — isso sabe a não sei o quê!
E o cangirão já não tem quase nada
O rei corno e eu sem vinho.
                (cai para debaixo da mesa)
                FAUSTO:
Arre que besta! Mas tem sua graça!
Está abraçado ao cangirão
Diz que é uma rainha.
                [FRANZ]:
                                Dá-me cá mais um gole
Que isto de leito e corpo de rainha
Não é com quatro goles que se entende.
Um rei corno — isso é grande! Alma danada
Onde é que me escondeste ó cangirão?
                (de debaixo da mesa)
Já o rei é corno!
                FAUSTO:
                        Lá quanto a Deus
Quando o sinto a amargar-me a boca muito
Faço isto
                (bebe)
        Tomo um gole. E vai p'ra baixo.
                TODOS:
Viva Fausto! Eia, viva! viva! viva!
                FRITZ:
Mas a vida rapaz?
                FAUSTO:
                                Caguei p'rá vida!
                FRITZ:
Toma! É assim rapaz! Canta-me dessas!
És cá dos meus, apesar de doutor...
                TODOS:
Doutor? Isto Doutor? Viva o Doutor!
                FAUSTO:
Morra o doutor e viva Fausto! É assim!
                TODOS:
Bravo. Morra o doutor e viva Fausto!
                FRANZ:
...Revolta... Não compreendo bem
Passa-me o cangirão que já te entendo.
Sem mais dois goles não percebo nada.
                FAUSTO:
Já percebes
Estupor avinhado? Já me entendes?
Isto de vida — ouve — é sentir tudo
Meter o agradável num só dia
Como o pé num chinelo. Deixa lá
O cangirão e ouve... Isto de vida
É a gente gozar e após gozar
Gozar mais, entendeste?
                FRANZ:
                                        E depois disso?
                FAUSTO:
Depois disso gozar mais ainda.

— Deixa-o lá. Só tem força p'ra beber.
Não vê já mais que o olho do gargalo.
                FRITZ:
Que é isso?
                FRANZ:
Quero piscar o olho. Já me custa!
Arre! Ou fecho ambos ou então nenhum.
Bebendo mais um gole isto já passa...
                FAUSTO:
Eu queria obter
Uma enormidade de sensações
Daquelas mais intensas que nós temos
arrepio, calor, etcetra e tal...
Isso como diz o matemático
Elevado ao infinito e num momento
Aqui é que é tentar chegar...
                UM:
«Arrepio, calor, etcetra e tal»
O que não se diz fica por dizer.
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