Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Antibucólica 1972
— Até a clorofila?…
— Sim, senhor:
até a clorofila entra na fila
dos poluidores. Diz-nos um doutor
de Illinois que, em matéria de monóxido
de carbono, a graminha é uma parada.
Aparemo-la então, que em disparada
a relva, no jardim ou em depósito
no quarto de dormir (sei lá) é o mesmo
que automóvel queimando gasolina.
— A sina, pois, do mundo, é sem remédio?
Se da fumaça escapo, e rodo a esmo
pelos parques cisneiros da cidade,
trato de preparar meu epicédio,
pois o verde de amigo fez-se inimigo
e me leva, com toda a falsidade,
para o último hotel, vulgo jazigo.
Nó mais, verde, nó mais, que a língua tenho
(Camões que me perdoe, com seu engenho)
acidulada e a voz enrouquecida.
Já tusso, já sufoco, já me vejo
na horizontal postura inarredável
só de papar um mísero legume
ou de alecrim cheirar meigo perfume
que esconde no seu seio algo terrível.
Ah, natureza má que me enganavas,
fingindo-te benigna: vai às favas
e que as favas te sejam bem letais,
que de árvores, arbustos, tenras folhas,
tudo isso que polui, não quero mais
saber. Não são usinas gigantescas,
bombas, resíduos mil, restos largados
à flor das águas em sinistras bolhas
que corrompem a vida que vivemos.
É a grama, o capim, leve, ondulante,
forma que o vento curva a seu talante,
e que, ao perecer, nos envenena
o ar, desprendendo o tóxico tremendo.
É grama, é folha, é rama, ó Tom, é planta,
são as flores de março… mas que pena.
Bonito, vegetais; é isso aí?
Em vez de fotossíntese, vocês
fotossujeira operam na atmosfera?
Já era a pura estampa virgiliana
sub tegmine fagi (leia-se: oiti),
nos braços de Amarílis ou de Inês?
Emudece a canção, flauta de cana,
e foge, pastor meu, dos verdes campos,
previne os bois, avisa os pirilampos,
que a coisa não está de brincadeira.
A poluição, sabe-se agora, é velha
mais do que o homem. E não será o homem
freguês da poluição, em vez de autor?
Por pessimista, rogo, não me tomem,
nem quero ser tachado de farsista:
se tudo é poluição, até na flor,
no vergel, no quintal, seja o que for,
tratemos com a máxima presteza
de redigir político tratado:
teremos cativado a natureza,
convindo em que convivam lado a lado
o homem e a poluição fazendo amor.
— Sim, senhor:
até a clorofila entra na fila
dos poluidores. Diz-nos um doutor
de Illinois que, em matéria de monóxido
de carbono, a graminha é uma parada.
Aparemo-la então, que em disparada
a relva, no jardim ou em depósito
no quarto de dormir (sei lá) é o mesmo
que automóvel queimando gasolina.
— A sina, pois, do mundo, é sem remédio?
Se da fumaça escapo, e rodo a esmo
pelos parques cisneiros da cidade,
trato de preparar meu epicédio,
pois o verde de amigo fez-se inimigo
e me leva, com toda a falsidade,
para o último hotel, vulgo jazigo.
Nó mais, verde, nó mais, que a língua tenho
(Camões que me perdoe, com seu engenho)
acidulada e a voz enrouquecida.
Já tusso, já sufoco, já me vejo
na horizontal postura inarredável
só de papar um mísero legume
ou de alecrim cheirar meigo perfume
que esconde no seu seio algo terrível.
Ah, natureza má que me enganavas,
fingindo-te benigna: vai às favas
e que as favas te sejam bem letais,
que de árvores, arbustos, tenras folhas,
tudo isso que polui, não quero mais
saber. Não são usinas gigantescas,
bombas, resíduos mil, restos largados
à flor das águas em sinistras bolhas
que corrompem a vida que vivemos.
É a grama, o capim, leve, ondulante,
forma que o vento curva a seu talante,
e que, ao perecer, nos envenena
o ar, desprendendo o tóxico tremendo.
É grama, é folha, é rama, ó Tom, é planta,
são as flores de março… mas que pena.
Bonito, vegetais; é isso aí?
Em vez de fotossíntese, vocês
fotossujeira operam na atmosfera?
Já era a pura estampa virgiliana
sub tegmine fagi (leia-se: oiti),
nos braços de Amarílis ou de Inês?
Emudece a canção, flauta de cana,
e foge, pastor meu, dos verdes campos,
previne os bois, avisa os pirilampos,
que a coisa não está de brincadeira.
A poluição, sabe-se agora, é velha
mais do que o homem. E não será o homem
freguês da poluição, em vez de autor?
Por pessimista, rogo, não me tomem,
nem quero ser tachado de farsista:
se tudo é poluição, até na flor,
no vergel, no quintal, seja o que for,
tratemos com a máxima presteza
de redigir político tratado:
teremos cativado a natureza,
convindo em que convivam lado a lado
o homem e a poluição fazendo amor.
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