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Poesias Inéditas (1919-1930)

1956

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.

1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
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Meu ser vive na Noite e no Desejo.

POEMAS CURTOS

Meu ser vive na Noite e no Desejo.
Minha alma é uma lembrança que há em mim;


12/12/1919




Longe de mim em mim existo
À parte de quem sou,
A sombra e o movimento em que consisto.


1920




Não haver deus é um deus também


1926




Saudade eterna, que pouco duras!


26/04/1926




... Vaga história comezinha
Que, pela voz das vozes, era a minha...
Quem sou eu? Eles sabem e passaram.


1928




E a extensa e vária natureza é triste
Quando no vau da luz as nuvens passam.


1928




O meu coração quebrou-se
Como um bocado de vidro
Quis viver e enganou-se...


01/10/1928





O abismo é o muro que tenho
Ser eu não tem um tamanho.


1929




Mas eu, alheio sempre, sempre entrando
O mais íntimo ser da minha vida,
Vou dentro em mim a sombra procurando.


1929




Tenho pena até... nem sei...
Do próprio mal que passei
Pois passei quando passou.


1929




Teu corpo real que dorme
É um frio no meu ser.


1930




Deus não tem unidade,
Como a terei eu?


24/08/193




Quando nas pausas solenes
Da natureza
Os galos cantam solenes.


1930




Tão linda e finda a memoro!
Tão pequena a enterrarão!
Quem me entalou este choro
Nas goelas do coração?


25/12/1931



Entre o sossego e o arvoredo,
Entre a clareira e a solidão,
Meu devaneio passa a medo
Levando-me a alma pela mão.
É tarde já, e ainda é cedo.

(...)

1932




CEIFEIRA

Mas não, é abstracta, é uma ave
De som volteando no ar do ar,
E a alma canta sem entrave
Pois que o canto é que faz cantar.


1932




Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.


1932




Aquele peso em mim – meu coração.


1932




O sol doirava-te a cabeça loura.
És morta. Eu vivo. Ainda há mundo e aurora.


1932




Tenho principalmente não ter nada,
Dormir seria sono se o tivesse.


26/04/1932




Minhas mesmas emoções
São coisas que me acontecem.


31/08/1932




Quase anónima sorris
E o sol doura o teu cabelo.
Porque é que, pra ser feliz,
É preciso não sabê-lo?


25/09/1932



Quero, terei –
Se não aqui,
Noutro lugar que inda não sei.
Nada perdi.
Tudo serei.


09/01/1933




Teu inútil dever
Quanta obra faça cobrirá a terra
Como ao que a fez, nem haverá de ti
Mais que a breve memória.


1934




O som continuo da chuva
A se ouvir lá fora bem
Deixa-nos a alma viúva
Daquilo que já não tem.

(...)

1934




Exígua lâmpada tranquila,
Quem te alumia e me dá luz,
Entre quem és e eu sou oscila.

30/11/1934



O meu sentimento é cinza
Da minha imaginação,
E eu deixo cair a cinza
No cinzeiro da Razão.

12/06/1935




Já estou tranquilo. Já não espero nada.
Já sobre meu vazio coração
Desceu a inconsciência abençoada
De nem querer uma ilusão.

20/07/1935




Criança, era outro...
Naquele em que me tornei
Cresci e esqueci.
Tenho de meu, agora, um silêncio, uma lei.
Ganhei ou perdi?





Onde, em jardins exaustos
Nada já tenha fim,
Forma teus fúteis faustos
De tédio e de cetim.
Meus sonhos são exaustos,
Dorme comigo e em mim.




Não combati: ninguém mo mereceu.
A natureza e depois a arte, amei.
As mãos à chama que me a vida deu
Aqueci. Ela cessa. Cessarei.
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I - Paira no ambíguo destinar-se

POESIAS DOS DOIS EXÍLIOS

I

Paira no ambíguo destinar-se
Entre longínquos precipícios,
A ânsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplícios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifícios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusões com interstícios,

Tudo velado e o ócio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciência de perder-se,

Tamanha a flava e pequenina
Pensar na mágoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza

II

Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.

Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nada do que foi sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.

Assim, nocturna, a áreas indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,

E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.

III

Análogo começo,
Uníssono me peço,
Gaia ciência o assomo –
Falha no último tomo,

Onde prolixo ameaço
Paralelo transpasso
O entreaberto haver
Diagonal a ser.

O interlúdio vernal,
Conquista do fatal,
Onde, veludo, afaga
A última que alaga.

Timbre do vespertino,
Ali, carícia, o hino
Outonou entre preces
Antes que, água, comeces.

IV

Doura o dia. Silente, o vento dura.
Verde as árvores, mole a terra escura,
Onde flores, vazia a álea e os bancos.
No pinhal erva cresce nos barrancos.
Nuvens vagas no pérfido horizonte.
O moinho longínquo no ermo monte.
Eu alma, que contempla tudo isto,
Nada conhece e tudo reconhece.
Nestas sombras de me sentir existo,
E é falsa a teia que tecer me tece.


24/09/1923
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