Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Direito de Fumar
O pensamento de cigarro
vem, ondulante, frequentar-me,
eu que não fumo.
Bem que o pai podia consentir:
“O 74 está crescido,
pode fumar dois Sônia por semana”.
Assim decide a lei,
aos Grandes permissiva,
quando o pai autoriza esse limite.
Privilégio de Grandes, e sou Grande.
Hei de fingir que fumo, se puder
levar à boca este direito
e à vista de todos a eminência
de ser fumante às claras.
Mas se eu pedir ao pai e ele me nega?
Pior: se ele concede?
Não sei, não sei tragar
(tragar, essencial entre varões).
Abomino o que sonho, me divido
e dividido entro na conjura
escusa dos fumantes clandestinos.
Atento às numerosas portas de privadas,
o Prefeito não vê que em cada uma
no tampo da latrina
um toco de cigarro está à espera
de ser fumado e conservado
para outro fumante e mais um outro
até que apenas cinza
desapareça na descarga.
Um infinito resto de cigarro,
mais duradouro que o cigarro inteiro,
e ai de quem esgote essa riqueza
ainda a tantos outros destinada.
Mas qual o desgraçado
a sair de boca aberta, revelando
o cheiro do prazer, ou que lá dentro
fez soltar a treda fumacinha
que a discrição das portas atravessa
e acaba com a festa das baganas
antes que eu (e sou Grande) participe?
vem, ondulante, frequentar-me,
eu que não fumo.
Bem que o pai podia consentir:
“O 74 está crescido,
pode fumar dois Sônia por semana”.
Assim decide a lei,
aos Grandes permissiva,
quando o pai autoriza esse limite.
Privilégio de Grandes, e sou Grande.
Hei de fingir que fumo, se puder
levar à boca este direito
e à vista de todos a eminência
de ser fumante às claras.
Mas se eu pedir ao pai e ele me nega?
Pior: se ele concede?
Não sei, não sei tragar
(tragar, essencial entre varões).
Abomino o que sonho, me divido
e dividido entro na conjura
escusa dos fumantes clandestinos.
Atento às numerosas portas de privadas,
o Prefeito não vê que em cada uma
no tampo da latrina
um toco de cigarro está à espera
de ser fumado e conservado
para outro fumante e mais um outro
até que apenas cinza
desapareça na descarga.
Um infinito resto de cigarro,
mais duradouro que o cigarro inteiro,
e ai de quem esgote essa riqueza
ainda a tantos outros destinada.
Mas qual o desgraçado
a sair de boca aberta, revelando
o cheiro do prazer, ou que lá dentro
fez soltar a treda fumacinha
que a discrição das portas atravessa
e acaba com a festa das baganas
antes que eu (e sou Grande) participe?
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