Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Recado
Ao comandante do navio Aldábi,
que ora deixa este porto: boa rota
e que tudo lhe corra a vento suave,
mas sobretudo, amigo, tome nota:
Vai no vapor alguém que recomendo
ao zelo neerlandês meticuloso
com tulipas ou vidas. Fique atento
quer ao concreto quer ao vaporoso.
Este é diverso, e verso, entre os turistas
papa-milhas errantes pela Terra:
as forças naturais lhe são submissas
à alquimia do verbo, que não erra.
Vai sobre o mar, ou leva o mar consigo?,
o mar de sentimentos brasileiros,
de pernambucanos, índias, infinito
viver em comunhão, alvissareiros
descobrimentos do subsolo humano
contidos na palavra cadenciada
que punge e que embalsama, e tanto, tanto
artifício gentil, noite-alvorada.
Foi bom que este seu barco se chamasse
algo assim como estrela, sem ser Vênus,
mas venusinamente abrindo espaço
claro e profundo a périplos serenos.
Que demanda o viajante? uma londrina
lua reticenciosa, a ponte calma
sobre o rio discreto, a meia-tinta
de coisas ocorridas dentro n’alma?
Mas Londres, por que Londres? Não pergunte
aquilo que ele mesmo não responde.
(“O poeta é um fingidor.”) Seu reino é Tule
ou Pasárgada, e fica não sei onde.
Leve-o, navio, em leve travessia
a essa Europa que o viu enfermo e velho,
e ora jovem e são, rico de vida,
irá vê-lo, milagre de evangelho.
Pois milagre é a poesia, Aldábi: leme,
angra, remédio, púrpura bandeira.
Zele e traga de volta, pontualmente,
o nosso grande e bom Manuel Bandeira.
21/07/1957
que ora deixa este porto: boa rota
e que tudo lhe corra a vento suave,
mas sobretudo, amigo, tome nota:
Vai no vapor alguém que recomendo
ao zelo neerlandês meticuloso
com tulipas ou vidas. Fique atento
quer ao concreto quer ao vaporoso.
Este é diverso, e verso, entre os turistas
papa-milhas errantes pela Terra:
as forças naturais lhe são submissas
à alquimia do verbo, que não erra.
Vai sobre o mar, ou leva o mar consigo?,
o mar de sentimentos brasileiros,
de pernambucanos, índias, infinito
viver em comunhão, alvissareiros
descobrimentos do subsolo humano
contidos na palavra cadenciada
que punge e que embalsama, e tanto, tanto
artifício gentil, noite-alvorada.
Foi bom que este seu barco se chamasse
algo assim como estrela, sem ser Vênus,
mas venusinamente abrindo espaço
claro e profundo a périplos serenos.
Que demanda o viajante? uma londrina
lua reticenciosa, a ponte calma
sobre o rio discreto, a meia-tinta
de coisas ocorridas dentro n’alma?
Mas Londres, por que Londres? Não pergunte
aquilo que ele mesmo não responde.
(“O poeta é um fingidor.”) Seu reino é Tule
ou Pasárgada, e fica não sei onde.
Leve-o, navio, em leve travessia
a essa Europa que o viu enfermo e velho,
e ora jovem e são, rico de vida,
irá vê-lo, milagre de evangelho.
Pois milagre é a poesia, Aldábi: leme,
angra, remédio, púrpura bandeira.
Zele e traga de volta, pontualmente,
o nosso grande e bom Manuel Bandeira.
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