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Isaac Rosenberg nasceu em Bristol, Inglaterra, em 1890. Seus pais eram imigrantes judeus, em fuga dospogroms da Lituânia. O poeta cresceu, no entanto, em Londres, para onde a família se mudara quando ele tinha apenas 7 anos, cidade onde Isaac Rosenberg também estudaria pintura. O poeta morreu nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, no dia 1° de abril de 1918, logo pela manhã. Enterrado em uma vala comum, seu corpo foi mais tarde exumado, identificado e enterrado em Pas de Calais, na França.
Seus poemas diferenciam-se dos textos de outros poetas ativos na Grande Guerra por desde o princípio demonstrarem desilusão e um sentimento crítico e antinacionalista, ao contrário de muitos autores que primeiro escreveram poemas fervorosos em favor da guerra e contra o "inimigo huno", para mais tarde se desiludirem nas trincheiras.
A Primeira Guerra Mundial foi determinante para as vanguardas da primeira metade do século. Poetas ingleses como Rupert Brooke, Wilfred Owen e Isaac Rosenberg morrem de um lado, enquanto poetas germânicos como August Stramm, Georg Trakl e Ernst Stadler morrem do outro lado da trincheira. O desaparecimento de Guillaume Apollinaire marca o desenvolvimento da poesia francesa posterior, já que os surrealistas pouquíssimo acrescentam à sua pesquisa ou à dos dadaístas. Só no pós-guerra, com Bernard Heidsieck, Isidore Isou, Henri Chopin e outros, a poesia francesa avançaria na pesquisa abortada pela Primeira Guerra, de homens como Apollinaire ouPierre Albert-Birot. As convoluções políticas, as fugas e mudanças de países, assim como as mortes de Jean Verdenal e Henri Gaudier-Brska teriam efeitos marcantes para a vida e trabalho de T.S. Eliot e Ezra Pound, respectivamente. Há um ensaio interessante de Marjorie Perloff a respeito dos efeitos da Primeira Guerra sobre a vida e escrita de Eliot, definindo sua escrita futura, quando Eliot entrega-se cada vez mais ao papel desiludido de restaurador de um passado inalcançável. No primeiro capítulo deWittgenstein's Ladder: Poetic Language and the Strangeness of the Ordinary (1999), a crítica americana analisa os efeitos da guerra sobre a escrita doTractatus Logico-Philosophicus (1922), do filósofo austríaco. Pound, segundo Hugh Kenner, passa a tentar criar sozinho a Renascença que ele sonhara com osImagists eVorticists. A história dos primeiros grupos experimentais é a narrativa de um movimento abortado por catástrofes, as que se empilham sob os pés do anjo de Benjamin. As ilusões de progresso e o caráter utópico que alguns associam com as vanguardas não morrem na década de 60, como Haroldo de Campos tenta argumentar em seu ensaio para poder defender sua elisão e fuga da História, mas em grande parte já em 1916. Os poetas do Cabaret Voltaire e da revistaDADA já surgem como pós-utópicos e pré-distópicos, sem negar a historicidade do fazer poético. Após a Primeira Guerra, as vanguardas, muito distintas entre si e nem todas passíveis de encaixe na ideologia construtivista, passam a operar muito mais como resistência à distopia (que se tornaria ainda mais horripilante ao se aproximar a Segunda Guerra), do que agentes de uma revolução ou legisladores de uma utopia. Poderíamos dizer que u-tópica é muito mais a poesia que tenta estar fora do tempo e sem lugar (U-TOPOS), aquela que a ideologia crítica hegemônica de hoje tenta compor em poemas sob o signo da "trans-historicidade", este equívoco que não se sustentaat closer inspection. A retórica de Haroldo de Campos a partir da década de 80, ainda que defenda superficialmente a "sincronia histórica", está fundada em uma falácia teleológica, com conclusões que são ideológicas mesmo que apresentadas como factuais e empíricas, demonstrando em verdade um discurso quase determinista. A compreensão, no Brasil do pós-guerra, do trabalho dos primeiros grupos experimentais do século XX foi demasiado parcial, concentrando-se naqueles que se encaixavam em uma leitura e visão construtivistas da poesia, distorcendo e ignorando muitos aspectos de grupos como o dos dadaístas, além de silenciar sobre outros grupos do pós-guerra, contemporâneos deNoigandres, como osLettristes parisienses, o Grupo de Viena ou a Internacional Situacionista.
Estou ciente dos riscos que tomo ao voltar a este debate em um artigo sobre um poeta como Isaac Rosenberg, mas este debate poderia ser feito ao discutir também contemporâneos de Rosenberg como Georg Trakl, em quem a relação entre transparência e não transparência do signo é mais complexa, ou poetas marcados pela Segunda Guerra, como Samuel Beckett e Paul Celan. Sabemos que, após os traumas da ditadura, nos dias de hoje qualquer tentativa de discussão sobre a historicidade do fazer poético acaba com frquência acusada de querer cercear a liberdade artística. Alguns mais histéricos, confundindo qualquer noção de historicidade com sociologia, chegam a falar até sobre "stalinismo", justamente os que confundem poeticidade com total não referencialidade. Há realmente críticos que reduzem textos poéticos a documentos sócio-culturais, como jornais ou cardápios, mas não é a isso que nos referimos aqui. A função poética não cancela por completo a função referencial, nem a materialidade do signo sua referencialidade, mesmo em poemas como as "Soledades" de Luís de Góngora ou os "Sueños" de Soror Juana Inés de la Cruz. Críticos como Paul de Man já demonstraram como mesmo em Mallarmé não se exclui por completo a referencialidade. O debate fervoroso entre Georg Lukács e Ernst Bloch sobre o trabalho dos expressionistas germânicos em 1934, gerando as reações de Bertolt Brecht e Walter Benjamin, é um exemplo de como é complexo o problema.
Torna-se portanto necessário insistir que não se trata de defender qualquer forma de poesia engajada ou participação política do poeta, mas de uma discussão estética sobre a historicidade do fazer poético, uma crítica e pensamento da textualidade em que o conceito de função poética de Jakobson manifesta-se não como essência, umaquidditas qualquer da poesia, mas um elementofuncional do texto poético, que não exclui as outras funções da linguagem, como podemos ver na poesia de todas as épocas. É um equívoco (e em minha opinião uma distorção do pensamento de Jakobson) acreditar que a função poética exclui ou cancela necessariamente a função referencial ou qualquer outra das funções da linguagem. O poema opera na fronteira entre transparência e não transparência do signo, o que nos leva à materialidade da linguagem que encontramos de Homero a Calímaco, Safo a Catulo, em Arnaut e em Cavalcanti, com Gregório de Matos e Augusto de Campos, sem a teatralização visual do signo. Equivaler poeticidade a não referencialidade é uma proposição simplesmente falsa, defendida apenas por autores com uma ojeriza ideológica a qualquer forma de realismo. E isso não cancela as pesquisas específicas sobre a materialidade da linguagem ou os que conscientemente operam fora da referencialidade, como Hugo Ball ou Henri Chopin, por exemplo.
As condições para a escrita da poesia hoje não são tão diferentes das condições destes poetas das primeiras décadas do século XX, se pensarmos bem. Muito da estética dos dadaístas surgiu como resistência à ideologia militarista do mundo em que sabiam estar compondo seus textos e trabalhos visuais. Com a cavalgada militarista dos dias de hoje, pondo-nos às portas de uma distopia ou cataclisma, talvez seja frutífero pensar nas estratégias de grupos como o do Cabaret Voltaire, do Grupo de Viena, da Internacional Situacionista, de artistas e poetas como John Cage, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Waly Salomão, Paulo Leminski. Como Heiner Müller escreveu em um poema bastante sarcástico e ao mesmo tempo pungente, comentando as reclamações de Tácito (55 - 120 a.C.), que lamenta em seusAnnales que os historiadores que o precederam tiveram mais guerras e mais catástrofes como material para a escrita, nenhum poeta hoje poderia reclamar da falta de material épico, ou até mesmo material lírico, na crise de um mundo que tenta suprimir o indivíduo e nos transformar em autômatos coletivizados.
--- Ricardo Domeneck