SÓ LETRA
L
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
LMNOPQRSTUVWXYZ
L
Letra
tear
reta
arte
Letra é arte.
Letra alerta.
Letra arreta.
Letra é aleta.
Ela é tear: ata, reata e atrela.
A letra está para o átomo,
como o poema, para a matéria.
Poema é amor entre letras.
Pode ser minúscula em Bashō.
Pode ser maiúscula em Camões.
Letra não é nada sem o leitor
ou é um muro de incompreensões.
Mas só alcançará a completude
uma vez que unida a suas irmãs,
tal como a aranha tece sua rede
e capta no orvalho a luz da manhã.
Três letrinhas já podem ser poema,
como, em sânscrito, a palavra Om.
O poeta escritor, sem a alma gêmea
do leitor, o poeta seu irmão,
morre doente, na pobreza extrema,
como Camões morreu na solidão.
Mesmo Camões, sem ter lido Bashō,
não foi reconhecido ainda em vida,
não faz sentido uma letra só,
mas apenas quando está unida
a uma outra e depois outra e assim
sucessivamente ad infinitum...
Dedico estas menores e piores redondilhas ao Paulo Leminski
Lê mim se quiser
Me lê sem querer
Entre eu e você
O que der e vier
Um soneto à mãe
O perfume e a beleza das cores
das flores que ela tanto amava,
para sempre, serão nosso deleite,
refletem, pois, o que dela emanava.
E, mesmo não tendo sua presença
densa, em corpo físico, entre nós,
ainda a teremos sempre presente
na mente e no coração. Somos sós,
quando isolados nas paredes do ego.
Mas somos todos um só, irmanados
em fronteiras além do infinito,
sem barreiras, que separam, do tempo.
Assim a sentimos, extasiados
pelo que pode ainda ser sentido.
Um soneto ao pai
Quisera eu ter o dom de expressar,
de forma tão verdadeira e bela
e simples como, à noite, o luar,
a sua luz atravessa a janela,
para, quem sabe, tentar transmitir,
com palavras, a justa homenagem,
mais valiosa que possa existir,
ao amigo, ao exemplo, ao homem!
Ao pai, que muito amo e que me ama,
hoje só agradeço; nada peço.
Dedico este soneto em que trabalho
àquele cuja vida é um poema,
àquele cujo nome é um verso:
Erasto Villa-Verde de Carvalho.
"Amar se aprende amando"
Dormir se nasce sabendo
Chorar também é instinto
Andar se aprende caindo
Viver, desafio estupendo
Sorrir se aprende sorrindo
Fazer se aprende errando
Cantar, em aulas de canto
"Amar se aprende amando"
Dançar, só rodopiando
Ler se apreende lendo
Escrever, no pensamento
Expressar-me experimento
Proseando e versejando
Drummondeandradeando
Outros sonetos ao amor
I
Sei que o amor está em toda parte
e aparece quando menos se espera,
quando se chega e quando se parte:
o amor é fícus, o amor é hera.
Árvore frondosa de grandes copas.
Erva que se espalha pela parede.
Ora nos enleva alto, ora brota
como praga, musgo ou limo verde.
Hoje amo amor de árvores belas,
antes sementes, agora florescem:
todos que as veem se admiram delas.
Mas também sei do amor que dá em pedras,
que se espraia, nos agarra e endoidece.
Prefiro o amor fruto ao amor quimera.
II
Quero me embriagar de poesia.
Beber palavras até saciar
a sede que me resseca a alma.
Degustar o néctar da ambrosia
de versos em caldas. Eu tomaria
litros e mais litros de letras tintas,
tonéis de carvalho, harmonizadas
com as melhores especiarias.
E depois, dançaria com a musa,
ao som das estrelas. Sobre o tapete
verde, então, tiraria a sua blusa
e sorveria o doce deleite
que escorreria por fora de sua
taça de amor, tal como sorvete.
Corpo de dor / Corpo de luz
A meu irmão espiritual Namadev (in memorian), que, além de tantas outras preciosidades, me apresentou a obra do mestre espiritualista Ekchart Tolle.
I
Enquanto perco a minha consciência,
uma intensa dor de mim se apodera,
como se eu fosse uma outra pessoa
não tão boa como a que antes eu era.
Deixo-me dominar pela emoção
que de tão forte a mim me controla,
pensamentos tolos que vêm e vão,
sem a noção do Ser, do aqui e do agora.
Depois me vem o arrependimento,
a dor do remorso que me devora.
E desse modo retroalimento
o corpo de dor que dentro em mim mora.
Como me livrar dele? Não sei. Tento
forçá-lo daqui de dentro pra fora.
II
Dor que volta mais forte do que antes.
Meu semblante até a mim apavora.
Já com a face toda retorcida,
como suicida que só aguarda a hora
de terminar com sua própria existência,
nem mesmo eu a mim me reconheço.
Quero começar novo recomeço,
estar consciente da Consciência
e mais presente em minha presença.
Não há solução à base da força.
A mente que descontrolada pensa,
observada de maneira atenta,
naturalmente uma hora se cansa
e na quietude então se assenta.
III
Assim surge silenciosamente
quem sempre esteve, mas despercebido,
aqui mesmo, contudo escondido
pelo ego que me dominava a mente.
Sem nome ou forma, refoge aos sentidos.
Em relação ao mundo é transcendente.
O Eterno só é aqui, no presente.
O Infinito nunca é definido.
O corpo de dor, desaparecendo
aos poucos, perde a sua densidade,
pois só existia em meu pensamento.
Quieta a mente com naturalidade,
alívio sinto enfim bem aqui dentro:
só o Corpo de Luz É, na realidade.
Ahimsa
Política não é religião,
assim como partido não é seita.
Sem a liberdade de expressão,
a Democracia não se sustenta.
O discurso de ódio interessa
só a quem toma o poder à força.
Para que o povo o retome depressa,
criatividade e inteligência
são necessárias na resistência,
desobediência civil pacífica,
como ensinou Mahatma Gandhi.
Sua doutrina da Não Violência
é uma grande verdade histórica
que o brasileiro agora apreende.
Vermelho (des)encarnado
I
Do pau-brasil se extrai o pigmento
para tingir tecidos de vermelho:
a cor que provoca tanto espanto
em quem se ufana de ser brasileiro.
A cor menos visível do espectro
está na pele dos índios Tupi.
Quando aportaram os estrangeiros,
eles já se encontravam aqui.
A que mais se aproxima do negro,
como o sangue derramado em vão,
é pois a cor que causa tanto medo,
a cor que se ausenta sem a luz,
qual a fogueira que vira carvão
à medida que o fogo se reduz.
II
Do pau-brasil se extrai o pigmento
para tingir tecidos de vermelho.
Mas o desconhecimento é tanto
que ignoram até o que é ser brasileiro!
Se o vermelho não está na bandeira -
como o verde das matas devastadas,
o azul do céu de nuvens poluídas,
o amarelo do ouro que orna igrejas
na Europa -, está na pele dos índios
que habitavam esta terra quando
os brancos a tomaram (tempos idos?),
no sangue que derramaram enquanto
saqueavam e ficavam mais ricos
à custa de almas desencarnando...
III
Revogaram o vermelho das rosas.
Proscreveram o vermelho do sangue.
Confinaram o vermelho das roupas
aos limites de um sonho estanque.
Censuraram palavras de ordem.
Proibiram as frases de efeito.
Determinaram os livros que podem
ser, nas mais nobres estantes, enfeites,
e queimaram em fogueiras medíocres:
os outros; rosas e roupas vermelhas.
E chamaram sonhadores de míopes,
ignorando sua própria cegueira.
Pois o sonho arrebenta os diques,
como o sangue escorre das veias.
Vossa Excelência tem a palavra
A linguagem do advogado verdadeiro,
dita de forma tão dura quanto polida,
que a Justiça nela brilhe por inteiro
e trespasse a falácia em aço construída,
há de ser. Pois, como o diamante, milenar,
forte nos textos dos clássicos, que cultiva,
o advogado deve assim se expressar,
bravo, com voz serena, todavia altiva.
E que esse mesmo brilho, de tão reluzente,
pleno de simples e honesta sabedoria,
possa enfim ofuscar a fala do sofista.
Que sirva não a si, mas sim a seu cliente.
Nem o gesto ou a beca, nada em demasia.
Assim seja, claro, na voz e na escrita.
Ser ou estar?
Tantas vezes de novo reinvento
outro eu que eu sei que sempre sou:
político, poeta, músico ou
advogado mesmo, virulento
assim como estou neste momento,
que já não sei se sou persona grata!
Mas para mim isso pouco importa,
contanto que eu continue sendo
eu. Mas quem sou eu? Nem quero saber!
Cabeça doida, teorias tortas.
Ser ou estar? É de estarrecer!
Clamo pela paz, ao amanhecer,
ideias certas, vida bem disposta!
Diferente de mim, não posso ser.
Haicais. 20.6.2016
Está amanhecendo
O canto de um passarinho
Frio... Frio... Frio
Cinzas no ar
Revoada de quero-queros
Poeira nos sapatos
Seca no cerrado
Queria tomar chuva
até encharcar a alma
O dia se esvai
O sol que entra na sala
não me aquece dentro
São grilos da noite
zumbindo no meu ouvido
ou grilos da mente?
Haicais. 21.6.2016
Alta madrugada.
Canta o carro-de-boi?
Não! O carro de lata.
"Inverno austral"
Dias curtos, noites longas
Sul do e-quæ-dor!
Dia do Yoga:
atividade no templo;
paz no coração.
Haicai. 22.6.2016.
Porto Alegre? Sim.
Mas trago nesta viagem
frio no coração.
Outro paiz (23.6.2016)
Bah sal
Bah céu
Brazil
Bah sol
Bah sul
Bah frio
Balbucio
Bah chá
Bah tchê
Bah xi
Bashō
Babaçu
Baiacu
Baba, Rio!
Haicais da Bahia (jul.2016)
O sol é a estrela
do dia, mas a tristeza,
o astro de dentro.
Eu robotizado
Estrelas no Universo
O mar me lambeu
Carta à Segunda Pessoa
Digníssima Senhōra,
Onde estás que não respondes?
Só nos versos de Pessoa,
de Cabral de Melo Neto?
Ah, eu chamo-te à toa...
É aqui que tu te escondes?
Nestes versos que destoam,
pois versejo, não poeto?
Farias a mediação
entre mim e a Terceira,
mas sem ti, na solidão
desta língua brasileira,
José, Chico e João,
Severino e Donana,
o Mané, a Conceição,
Seu Tião e Bastiana,
até mesmo os de cima
ficam sós, na Casa Grande,
que ninguém consegue rima
se te fazes de importante.
Preto não fala com branco,
só com a excelência dele,
e, se o olha no olho,
chicote lhe queima a pele.
Na tribo, criança, cacique,
homem, mulher são auá.
Mas carioca é muito chique,
lugar de branco falar.
Inclusive padre Antônio,
irreverente com Deus,
era cerimonioso
quando pregava aos seus.
E o plebeu não se dirige
diretamente ao Rei.
Por isso que sumiste
ou causa de que? Não sei.
Ei! Fugiste para onde?
Diz-me, ora pois! Que é de ti?
Coronel ou lobisomem,
estás com medo de quê?
Não podes abandonar
tantos filhos de João,
de Maria e de José!
És cristã ou és pagão?
Foste para além-mar
com a família real?
Não temos com quem parlar
de igual para igual!
Voltasse pra Portugal,
sem coragem de lutar,
e levasse, além de terra,
que dizias tanto amar...
(Vossa Mercê me perdoe
se já lhe não dou ao respeito!
Vosmecê não se chateie,
não falo mais com você!
Suncê levasse daqui,
além de terra - já disse!),
ouro, prata... mineral,
toda riqueza que existe,
e largasse uma língua
nesse mundo, sem igual!
Pois italiano, espanhol,
português de Portugal
prosam contigo de boa,
em Roma, Madri, Lisboa.
Aqui te tratam tão mal
quanto foram maltratados.
Nesta terra desigual,
pobre e rico tão distantes,
não estranha no Brasil
idioma nunca dantes...
Onde mal falam ocê,
agora, em tempo real,
duas letrinhas, mais nada,
é tudo que lhe restou.
Nem me refiro a bandeira
branca, pedindo a paz,
levanto sim a vermelha:
que não tornes nunca mais!
Desde que, neste país,
Pombal, pedante Marquês,
proibiu a língua Tupi
e impôs o Português,
gerações degeneraram-te,
na fala e na escrita,
cansadas de palmatória,
de chibata. Que desdita!
Como disse o malfalado,
Severino Cavalcanti,
chefete dos Deputados
(tão insignificante,
mas nos anais registrado):
- Recolha-se à insignificância
de Vossa Excelência!
Vc já está bloqueado!
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
LMNOPQRSTUVWXYZ
L
Letra
tear
reta
arte
Letra é arte.
Letra alerta.
Letra arreta.
Letra é aleta.
Ela é tear: ata, reata e atrela.
A letra está para o átomo,
como o poema, para a matéria.
Poema é amor entre letras.
Pode ser minúscula em Bashō.
Pode ser maiúscula em Camões.
Letra não é nada sem o leitor
ou é um muro de incompreensões.
Mas só alcançará a completude
uma vez que unida a suas irmãs,
tal como a aranha tece sua rede
e capta no orvalho a luz da manhã.
Três letrinhas já podem ser poema,
como, em sânscrito, a palavra Om.
O poeta escritor, sem a alma gêmea
do leitor, o poeta seu irmão,
morre doente, na pobreza extrema,
como Camões morreu na solidão.
Mesmo Camões, sem ter lido Bashō,
não foi reconhecido ainda em vida,
não faz sentido uma letra só,
mas apenas quando está unida
a uma outra e depois outra e assim
sucessivamente ad infinitum...
Dedico estas menores e piores redondilhas ao Paulo Leminski
Lê mim se quiser
Me lê sem querer
Entre eu e você
O que der e vier
Um soneto à mãe
O perfume e a beleza das cores
das flores que ela tanto amava,
para sempre, serão nosso deleite,
refletem, pois, o que dela emanava.
E, mesmo não tendo sua presença
densa, em corpo físico, entre nós,
ainda a teremos sempre presente
na mente e no coração. Somos sós,
quando isolados nas paredes do ego.
Mas somos todos um só, irmanados
em fronteiras além do infinito,
sem barreiras, que separam, do tempo.
Assim a sentimos, extasiados
pelo que pode ainda ser sentido.
Um soneto ao pai
Quisera eu ter o dom de expressar,
de forma tão verdadeira e bela
e simples como, à noite, o luar,
a sua luz atravessa a janela,
para, quem sabe, tentar transmitir,
com palavras, a justa homenagem,
mais valiosa que possa existir,
ao amigo, ao exemplo, ao homem!
Ao pai, que muito amo e que me ama,
hoje só agradeço; nada peço.
Dedico este soneto em que trabalho
àquele cuja vida é um poema,
àquele cujo nome é um verso:
Erasto Villa-Verde de Carvalho.
"Amar se aprende amando"
Dormir se nasce sabendo
Chorar também é instinto
Andar se aprende caindo
Viver, desafio estupendo
Sorrir se aprende sorrindo
Fazer se aprende errando
Cantar, em aulas de canto
"Amar se aprende amando"
Dançar, só rodopiando
Ler se apreende lendo
Escrever, no pensamento
Expressar-me experimento
Proseando e versejando
Drummondeandradeando
Outros sonetos ao amor
I
Sei que o amor está em toda parte
e aparece quando menos se espera,
quando se chega e quando se parte:
o amor é fícus, o amor é hera.
Árvore frondosa de grandes copas.
Erva que se espalha pela parede.
Ora nos enleva alto, ora brota
como praga, musgo ou limo verde.
Hoje amo amor de árvores belas,
antes sementes, agora florescem:
todos que as veem se admiram delas.
Mas também sei do amor que dá em pedras,
que se espraia, nos agarra e endoidece.
Prefiro o amor fruto ao amor quimera.
II
Quero me embriagar de poesia.
Beber palavras até saciar
a sede que me resseca a alma.
Degustar o néctar da ambrosia
de versos em caldas. Eu tomaria
litros e mais litros de letras tintas,
tonéis de carvalho, harmonizadas
com as melhores especiarias.
E depois, dançaria com a musa,
ao som das estrelas. Sobre o tapete
verde, então, tiraria a sua blusa
e sorveria o doce deleite
que escorreria por fora de sua
taça de amor, tal como sorvete.
Corpo de dor / Corpo de luz
A meu irmão espiritual Namadev (in memorian), que, além de tantas outras preciosidades, me apresentou a obra do mestre espiritualista Ekchart Tolle.
I
Enquanto perco a minha consciência,
uma intensa dor de mim se apodera,
como se eu fosse uma outra pessoa
não tão boa como a que antes eu era.
Deixo-me dominar pela emoção
que de tão forte a mim me controla,
pensamentos tolos que vêm e vão,
sem a noção do Ser, do aqui e do agora.
Depois me vem o arrependimento,
a dor do remorso que me devora.
E desse modo retroalimento
o corpo de dor que dentro em mim mora.
Como me livrar dele? Não sei. Tento
forçá-lo daqui de dentro pra fora.
II
Dor que volta mais forte do que antes.
Meu semblante até a mim apavora.
Já com a face toda retorcida,
como suicida que só aguarda a hora
de terminar com sua própria existência,
nem mesmo eu a mim me reconheço.
Quero começar novo recomeço,
estar consciente da Consciência
e mais presente em minha presença.
Não há solução à base da força.
A mente que descontrolada pensa,
observada de maneira atenta,
naturalmente uma hora se cansa
e na quietude então se assenta.
III
Assim surge silenciosamente
quem sempre esteve, mas despercebido,
aqui mesmo, contudo escondido
pelo ego que me dominava a mente.
Sem nome ou forma, refoge aos sentidos.
Em relação ao mundo é transcendente.
O Eterno só é aqui, no presente.
O Infinito nunca é definido.
O corpo de dor, desaparecendo
aos poucos, perde a sua densidade,
pois só existia em meu pensamento.
Quieta a mente com naturalidade,
alívio sinto enfim bem aqui dentro:
só o Corpo de Luz É, na realidade.
Ahimsa
Política não é religião,
assim como partido não é seita.
Sem a liberdade de expressão,
a Democracia não se sustenta.
O discurso de ódio interessa
só a quem toma o poder à força.
Para que o povo o retome depressa,
criatividade e inteligência
são necessárias na resistência,
desobediência civil pacífica,
como ensinou Mahatma Gandhi.
Sua doutrina da Não Violência
é uma grande verdade histórica
que o brasileiro agora apreende.
Vermelho (des)encarnado
I
Do pau-brasil se extrai o pigmento
para tingir tecidos de vermelho:
a cor que provoca tanto espanto
em quem se ufana de ser brasileiro.
A cor menos visível do espectro
está na pele dos índios Tupi.
Quando aportaram os estrangeiros,
eles já se encontravam aqui.
A que mais se aproxima do negro,
como o sangue derramado em vão,
é pois a cor que causa tanto medo,
a cor que se ausenta sem a luz,
qual a fogueira que vira carvão
à medida que o fogo se reduz.
II
Do pau-brasil se extrai o pigmento
para tingir tecidos de vermelho.
Mas o desconhecimento é tanto
que ignoram até o que é ser brasileiro!
Se o vermelho não está na bandeira -
como o verde das matas devastadas,
o azul do céu de nuvens poluídas,
o amarelo do ouro que orna igrejas
na Europa -, está na pele dos índios
que habitavam esta terra quando
os brancos a tomaram (tempos idos?),
no sangue que derramaram enquanto
saqueavam e ficavam mais ricos
à custa de almas desencarnando...
III
Revogaram o vermelho das rosas.
Proscreveram o vermelho do sangue.
Confinaram o vermelho das roupas
aos limites de um sonho estanque.
Censuraram palavras de ordem.
Proibiram as frases de efeito.
Determinaram os livros que podem
ser, nas mais nobres estantes, enfeites,
e queimaram em fogueiras medíocres:
os outros; rosas e roupas vermelhas.
E chamaram sonhadores de míopes,
ignorando sua própria cegueira.
Pois o sonho arrebenta os diques,
como o sangue escorre das veias.
Vossa Excelência tem a palavra
A linguagem do advogado verdadeiro,
dita de forma tão dura quanto polida,
que a Justiça nela brilhe por inteiro
e trespasse a falácia em aço construída,
há de ser. Pois, como o diamante, milenar,
forte nos textos dos clássicos, que cultiva,
o advogado deve assim se expressar,
bravo, com voz serena, todavia altiva.
E que esse mesmo brilho, de tão reluzente,
pleno de simples e honesta sabedoria,
possa enfim ofuscar a fala do sofista.
Que sirva não a si, mas sim a seu cliente.
Nem o gesto ou a beca, nada em demasia.
Assim seja, claro, na voz e na escrita.
Ser ou estar?
Tantas vezes de novo reinvento
outro eu que eu sei que sempre sou:
político, poeta, músico ou
advogado mesmo, virulento
assim como estou neste momento,
que já não sei se sou persona grata!
Mas para mim isso pouco importa,
contanto que eu continue sendo
eu. Mas quem sou eu? Nem quero saber!
Cabeça doida, teorias tortas.
Ser ou estar? É de estarrecer!
Clamo pela paz, ao amanhecer,
ideias certas, vida bem disposta!
Diferente de mim, não posso ser.
Haicais. 20.6.2016
Está amanhecendo
O canto de um passarinho
Frio... Frio... Frio
Cinzas no ar
Revoada de quero-queros
Poeira nos sapatos
Seca no cerrado
Queria tomar chuva
até encharcar a alma
O dia se esvai
O sol que entra na sala
não me aquece dentro
São grilos da noite
zumbindo no meu ouvido
ou grilos da mente?
Haicais. 21.6.2016
Alta madrugada.
Canta o carro-de-boi?
Não! O carro de lata.
"Inverno austral"
Dias curtos, noites longas
Sul do e-quæ-dor!
Dia do Yoga:
atividade no templo;
paz no coração.
Haicai. 22.6.2016.
Porto Alegre? Sim.
Mas trago nesta viagem
frio no coração.
Outro paiz (23.6.2016)
Bah sal
Bah céu
Brazil
Bah sol
Bah sul
Bah frio
Balbucio
Bah chá
Bah tchê
Bah xi
Bashō
Babaçu
Baiacu
Baba, Rio!
Haicais da Bahia (jul.2016)
O sol é a estrela
do dia, mas a tristeza,
o astro de dentro.
Eu robotizado
Estrelas no Universo
O mar me lambeu
Carta à Segunda Pessoa
Digníssima Senhōra,
Onde estás que não respondes?
Só nos versos de Pessoa,
de Cabral de Melo Neto?
Ah, eu chamo-te à toa...
É aqui que tu te escondes?
Nestes versos que destoam,
pois versejo, não poeto?
Farias a mediação
entre mim e a Terceira,
mas sem ti, na solidão
desta língua brasileira,
José, Chico e João,
Severino e Donana,
o Mané, a Conceição,
Seu Tião e Bastiana,
até mesmo os de cima
ficam sós, na Casa Grande,
que ninguém consegue rima
se te fazes de importante.
Preto não fala com branco,
só com a excelência dele,
e, se o olha no olho,
chicote lhe queima a pele.
Na tribo, criança, cacique,
homem, mulher são auá.
Mas carioca é muito chique,
lugar de branco falar.
Inclusive padre Antônio,
irreverente com Deus,
era cerimonioso
quando pregava aos seus.
E o plebeu não se dirige
diretamente ao Rei.
Por isso que sumiste
ou causa de que? Não sei.
Ei! Fugiste para onde?
Diz-me, ora pois! Que é de ti?
Coronel ou lobisomem,
estás com medo de quê?
Não podes abandonar
tantos filhos de João,
de Maria e de José!
És cristã ou és pagão?
Foste para além-mar
com a família real?
Não temos com quem parlar
de igual para igual!
Voltasse pra Portugal,
sem coragem de lutar,
e levasse, além de terra,
que dizias tanto amar...
(Vossa Mercê me perdoe
se já lhe não dou ao respeito!
Vosmecê não se chateie,
não falo mais com você!
Suncê levasse daqui,
além de terra - já disse!),
ouro, prata... mineral,
toda riqueza que existe,
e largasse uma língua
nesse mundo, sem igual!
Pois italiano, espanhol,
português de Portugal
prosam contigo de boa,
em Roma, Madri, Lisboa.
Aqui te tratam tão mal
quanto foram maltratados.
Nesta terra desigual,
pobre e rico tão distantes,
não estranha no Brasil
idioma nunca dantes...
Onde mal falam ocê,
agora, em tempo real,
duas letrinhas, mais nada,
é tudo que lhe restou.
Nem me refiro a bandeira
branca, pedindo a paz,
levanto sim a vermelha:
que não tornes nunca mais!
Desde que, neste país,
Pombal, pedante Marquês,
proibiu a língua Tupi
e impôs o Português,
gerações degeneraram-te,
na fala e na escrita,
cansadas de palmatória,
de chibata. Que desdita!
Como disse o malfalado,
Severino Cavalcanti,
chefete dos Deputados
(tão insignificante,
mas nos anais registrado):
- Recolha-se à insignificância
de Vossa Excelência!
Vc já está bloqueado!
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