Clarice Lispector
Haya Pinkhasovna Lispector foi uma escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Quanto à sua brasilidade, Clarice declarava-se pernambucana.
1920-12-10 Tchetchelnik, Ucrânia
1977-12-09 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Dá-me a tua mão
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
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Mais como isto
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Toíta
Dá-me a tua mão
- Toma, dulcíssima senhora.
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.
- Lendo assim o termo "inexpressivo", vem logo à mente aquilo que é sem cor nem sabor, destinto e insulso. Como pode ter sido essa a tua busca cega e secreta, quando, ao que parece, todos buscamos o "expressivo", o tinto e o saboroso? Expressar é espremer, que é igual a exprimir, que, por sua vez, evoca uma força que empurra algo para fora.. Normalmente, dado o esforço da compressão, espera-se que venha à tona um suculento sumo, uma substância essencial. Mas não, mesmo espremendo, não esperas encontrar nada de essencial nos seres, apenas alguns acidentes (retomando o palavreado aristotélico). Desististe da busca do essencial, dada a incapacidade humana de capturá-lo, e agora te satisfazes com o acidental? Disso é feito o nome de Modéstia? Pareceu-me!
De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.
- Entre o 1 e o 2 deita-se e deleita-se o infinito, o sem -fim que escapa à nossa intelecção. Passaríamos toda a eternidade a contar os números que moram entre os dois números, do mesmo modo como infinita é a distância entre duas pessoas. É intrigante - misterioso e ígneo - como pulamos do 1 ao 2, passando por cima dessa sub-reptícia linha do infinito, do mesmo modo como uma primeira pessoa faz com uma segunda. Num salto indevido, imagina-se ter apreendido a essência do outro quando, na verdade, captamos apenas acidentes de somenos importância. Entre o 1 e o 2, jaz sub-repticiamente a linha do infinito; entre uma pessoa e uma outra, enfatize-se mais o mistério (fechado à compreensão) e o fogo (que purifica, mas também destrói).
Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
- Eu sabia: ao pedires a minha mão e ao falares da tua busca pelo "inexpressivo", estavas sendo apenas modesta. Relê o teu parágrafo acima, Lispector, relê. E aí se vê sob luz meridiana que buscas o primordial, a essência mesma dos seres, do Ser. No piano, ao que sei, entre duas teclas brancas existe a preta (que é o semitom que conduz ao tom seguinte). Mas isso não é violência ao infinito de tons que existe entre duas notas? Sim, sensível senhora, entre duas notas também se deita e se deleita o infinito, essa linha sub-reptícia de mistério e fogo. Também entre dois fatos reside um infinito de fatos. Entre dois grãos de areia, além de infinitos , invisíveis outros grãos, protende o espaço do tamanho daquele que separa o 1 do 2 ou uma pessoa da outra. Iria ainda mais longe, minha senhora: entre o denso e o sutil no talado átomo também habita o mesmo espaço infinito, a mesma linha sub-raptícia. Entre um sentimento e outro, por mais similares que possam ser, também se encontra não apenas um outro sentir, mas a miríade ilimitada de outros sentires. Entre dois objetos, fenômenos, eventos, situações, vivências, em suma, entre o 1 e o 2, minha senhora (permite-me alargar as tuas colocações) erige-se o Templo do Infinito. Assim como entre dois sons - humanos ou não - estende-se o espaço do silêncio (e da sua infinita eloquência), do mesmo modo entre uma respiração e outra do Infinito que anima toda a matéria (e seus infinitesimais interstícios), reside o Seu silêncio, a Sua aparente ausência, ocultação. Dir-se-ia que a eloquência divina se manifesta não apenas pela criação dos seres, mas especialmente pelo calar do Ser, pelo silêncio do Ser? Senhora, estás dizendo que Deus, que dá sopro (espírito) ao mundo, é fundamentalmente Silêncio? Que diante do Seu mistério de fogo, é melhor calar e apenas senti-Lo como Silêncio no silêncio? Falar sobre a respiração silenciosa que mantém vivo o mundo é "inexpressivo", senhora? Não, Lispector, o teu poema, compacto e profundo, é a busca poética e atormentada da Alma pela Respiração, pela Imortalidade.
Eu sabia, eu sabia que era pura modéstia os teus pequeninos, infinitos prolegômenos
- Toma, dulcíssima senhora.
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.
- Lendo assim o termo "inexpressivo", vem logo à mente aquilo que é sem cor nem sabor, destinto e insulso. Como pode ter sido essa a tua busca cega e secreta, quando, ao que parece, todos buscamos o "expressivo", o tinto e o saboroso? Expressar é espremer, que é igual a exprimir, que, por sua vez, evoca uma força que empurra algo para fora.. Normalmente, dado o esforço da compressão, espera-se que venha à tona um suculento sumo, uma substância essencial. Mas não, mesmo espremendo, não esperas encontrar nada de essencial nos seres, apenas alguns acidentes (retomando o palavreado aristotélico). Desististe da busca do essencial, dada a incapacidade humana de capturá-lo, e agora te satisfazes com o acidental? Disso é feito o nome de Modéstia? Pareceu-me!
De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.
- Entre o 1 e o 2 deita-se e deleita-se o infinito, o sem -fim que escapa à nossa intelecção. Passaríamos toda a eternidade a contar os números que moram entre os dois números, do mesmo modo como infinita é a distância entre duas pessoas. É intrigante - misterioso e ígneo - como pulamos do 1 ao 2, passando por cima dessa sub-reptícia linha do infinito, do mesmo modo como uma primeira pessoa faz com uma segunda. Num salto indevido, imagina-se ter apreendido a essência do outro quando, na verdade, captamos apenas acidentes de somenos importância. Entre o 1 e o 2, jaz sub-repticiamente a linha do infinito; entre uma pessoa e uma outra, enfatize-se mais o mistério (fechado à compreensão) e o fogo (que purifica, mas também destrói).
Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
- Eu sabia: ao pedires a minha mão e ao falares da tua busca pelo "inexpressivo", estavas sendo apenas modesta. Relê o teu parágrafo acima, Lispector, relê. E aí se vê sob luz meridiana que buscas o primordial, a essência mesma dos seres, do Ser. No piano, ao que sei, entre duas teclas brancas existe a preta (que é o semitom que conduz ao tom seguinte). Mas isso não é violência ao infinito de tons que existe entre duas notas? Sim, sensível senhora, entre duas notas também se deita e se deleita o infinito, essa linha sub-reptícia de mistério e fogo. Também entre dois fatos reside um infinito de fatos. Entre dois grãos de areia, além de infinitos , invisíveis outros grãos, protende o espaço do tamanho daquele que separa o 1 do 2 ou uma pessoa da outra. Iria ainda mais longe, minha senhora: entre o denso e o sutil no talado átomo também habita o mesmo espaço infinito, a mesma linha sub-raptícia. Entre um sentimento e outro, por mais similares que possam ser, também se encontra não apenas um outro sentir, mas a miríade ilimitada de outros sentires. Entre dois objetos, fenômenos, eventos, situações, vivências, em suma, entre o 1 e o 2, minha senhora (permite-me alargar as tuas colocações) erige-se o Templo do Infinito. Assim como entre dois sons - humanos ou não - estende-se o espaço do silêncio (e da sua infinita eloquência), do mesmo modo entre uma respiração e outra do Infinito que anima toda a matéria (e seus infinitesimais interstícios), reside o Seu silêncio, a Sua aparente ausência, ocultação. Dir-se-ia que a eloquência divina se manifesta não apenas pela criação dos seres, mas especialmente pelo calar do Ser, pelo silêncio do Ser? Senhora, estás dizendo que Deus, que dá sopro (espírito) ao mundo, é fundamentalmente Silêncio? Que diante do Seu mistério de fogo, é melhor calar e apenas senti-Lo como Silêncio no silêncio? Falar sobre a respiração silenciosa que mantém vivo o mundo é "inexpressivo", senhora? Não, Lispector, o teu poema, compacto e profundo, é a busca poética e atormentada da Alma pela Respiração, pela Imortalidade.
Eu sabia, eu sabia que era pura modéstia os teus pequeninos, infinitos prolegômenos
30/janeiro/2011