Aureliano Lessa

Aureliano Lessa

poeta da segunda geração do romantismo brasileiro

Diamantina MG
1861-02-28 Serro
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A Tarde

II

Mãe da melancolia, ó meiga tarde.
Que mágico pintor bordou teu manto
Co'as duvidosas sombras do mistério!...
— Talvez são elas encantados manes
De nossos pais, que errando pelos ares
Vêm segredar co'a nossa consciência
Dúbios emblemas de celestes frases...
— Talvez são elas pálido reflexo
De um coro d'anjos que a milhões de léguas
Sobre uma nuvem d'ouro descantando
Ante a face do sol longínquos passam...
Não sei! Há dentro d'alma tantas coisas
Que jamais proferiram lábios d'homens...
Entretanto me ecoam pelo espírito
Etéreos sons de peregrina orquestra.
Um doce peso o coração me oprime.
Meu pensamento em sonhos se evapora.
Té de mim próprio sinto um vago olvido.
Um sereno rumor, que a alma dormenta.

III

Salve, filha dos raios e das trevas.
Melancólica irmã das noites pálidas!
Quem te não ama?... A natureza toda
Murmura ao teu passar místicas vozes
Repassadas de unção: — todos os olhos
Passeiam tuas tépidas campinas
Bafejadas de nuvens — té parece
Que a terra, suspendendo o giro, escuta
O adeus que o sol te envia além dos montes.
— Limpa o suór o peregrino errante.
E arrimado ao bordão mudo contempla-te
Esquecido do pouso: — sobre o cabo
Da rude enxada recostado cisma
Nos africanos céus o pobre escravo
Que exausto de fadiga te abençoa
Do fundo d'alma em bárbara linguagem.
Mensageira de amor, tu anuncias
A hora propícia aos sôfregos amantes
Da noturna entrevista; e a donzela
Erma de amor te acolhe pensativa,
Fantasiando quadros de ventura.
Que o vazio do coração lhe supram.
— Talvez agora na floresta anosa.
Proscrito errante, o índio americano
Pára e eleva-te um cântico selvagem
Nunca ouvido dos troncos que o circundam.
— Fadem os deuses pouso ao peregrino.
Liberdade ao escravo, amor à virgem.
E tardes, como esta, ao triste bardo.

Imagem - 01200003


In: LESSA, Aureliano. Poesias póstumas. Colecionadas por Francisco e Joaquim Lessa. Pref. Augusto de Lima. 2.ed. corr. e aum. Belo Horizonte: Beltrão, 1909
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