manoelserrao1234

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1960-04-19 São Luis - Maranhão
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Alguns Poemas

O ÚLTIMO SUICÍDIO [MANOEL SERRÃO]




Ó velais o meu corpo que jaz inerte e que nu descansa imaleável sobre o pálio.

Velais o meu corpo pálido intemerato, putrescível, indigente e supérfluo nesse parco rito.
Ei-me, vem, e, faz-me o teu escárnio mórbido, o sarcasmo e o teu júbilo.
Vem, e, faz-me o teu desprezo, a mazela, o teu berro e o teu grito.
Vem, e, faz-me o teu espanto, tua admiração, tua dúvida, teu encanto; e, o teu medo.

Ó aqui de novo te evoco: vela o meu silêncio eterno, tão sinistro e profano quanto místico.
Vede esse é o meu mundo, a minha fábula, a recompensa, e o meu fardo imundo.
Ó vede pois enquanto existo entre tantos mistérios mudos, sestros, ingratos e obscuros,
Que pungem sonhos, a utopia da vida e sangrando-me morrerei sob o teu jugo.

E és tu ó Mortal sorrindo no rosto da morte? Inda indagas se vivi?
- Eu vivi... Juro! Eu vivi!
Na ânsia e no adágio da insana, ouço sonoras e fúnebres notas musicais.
Sim essa é a minha saga? Se essa é a minha sina que vaga quão manchas, espectros, e sombras intrusas de vozes e fantasmas.
Quisera eu ver o purgatório de Hades? Quisera!
Ah! Deus sabe: até que o confesses, a vossa carne fede até o universo. Ó insetos, parasitas e micróbios? Qualquer morte te serve!
Sou eu. Sou eu. O mundo que diria se soubesse de onde venho?
Lá havia homens às janelas, e olhavam ruas desertas e eternas...
Nunca serei uma mera exposição decorativa do-que-é-óbvio.


Escarra, meu filho, escarra-me no rosto! Despreza-me tanto quanto queiras.
Mas ajudai-me a vencer-me? Logo tu? Quem te morreu? A sãos e doentes, o que é para ser humano? Não sei!

Ó apaguem as luzes, vamos maestro! Vamos tocar a orquestra?
Escutem! Escutem! Escutem os violinos, os violões, o rufar das trombetas anunciando-lhes.
Exercitem em dissonantes os acordes que exalam no aceno o bálsamo do adeus, do membro amputado.
Ó maldição! Ó malditos sons!!!!! Ó malditos que regam o pranto das lágrimas e que espalham ao vento o lamento da despedida.
Ouviram!!!! Escutam-se o som de poucas palavras. Sobram soníferos, murmúrios...
E eis que segue o féretro mórfico rumo a ressurreição
A caminho do supremo e do divino reino.
Uma dádiva ancestral de lembranças e saudades lucrarás.
Ó devaneio devoto além do pensamento, vejo a minha construção;
A minha morada, ora é de sonhos sobre o eterno, ora é de pedra sob a terra.

Ó aqui estão as minhas horas...
Dá-me o templo e a ruína nos pedaços do tempo!
... e do espaço, vestígio e lenda, filhos do vento, e me pego cheio de alucinações.
Agora temente à febre que enfraquece o remédio...
Tomo o último analgésico que não sana o delírio e nem cura o da agonia que padece de alucinação...
Assim tombo silente no meu último suicídio!



MARIA CELESTE [Manoel Serrão]


Ó baixios d’areias, em que poças deságuas o alcanças?
Em que tormentas fustigas, ou borrascas o decolas?
Em que piras o inelutável fogaréu o devoras?
Em que quarto de horas o Celeste náufrago o afogas?


Ó Deus? Avistei destroços a bombordo e esbirros partirem-se no convés;
Avistei botes sem "hóspedes" quão corpos devorados a estibordo;
Avistei corsários entre acenos de S.O.S e lamentos quão almas inflamas através do fogo cruzado!

Deus! Deus! Ó Deos onde estavas que o destino fatal cuspiras em ardentes chamas a nau em águas de abrasado sal?

Ó Deos! Deos onde estavas que avistei em bravo prélio o Celeste brunir em ferro indo da purga ao inferno?
Ó Deos! Diz-me: onde estavas Deus? Onde estavas? Onde estavas que avistei da meia-laranja aos olhos nus de uns para outros rasos d’agua: o medo; o pânico; e, o brado clamor do assombro perpétuo? 
Ó Deos! Ó Deos! Aqui nest'hora? Quedo-me impávido, e, de joelhos aos prantos, sob o plúmbeo céu plissado pálio da Sagração? Ressoar impusente a voz do silêncio distante, quão d'ante o páramo o espectro da nau peregrina solta ao zéfiro; 

Ó juro-vos avistá-la d'ante o mar esbraseado, rubro-corado o quente revérbero da nau invisível  - o fantásmico Celeste -, ardente em chamas, apagar-se, regido pelos sussurros das vozes humanas, os últimos cantos e labaredas nos porões se perder ao longe, à  distância, mergulhar na eternidade de seu sono eterno... 
Ó juro-vos avistá-la d'ante o mar funéreo d'um março o naufrago, a nau sem âncoras perdida entre saudosas lembranças.
A nau vertendo lágrimas, acenando-me adeus... Ó D'us, quão vestuta ausência de tudo!


Ó Deos! Ó Maria Celeste, imortal t’alma solta ao tempo, viverás eterna por barcas à flor das águas, navegantes mares na memória dos homens.  



NOTA: O Maria Celeste foi um pequeno navio cargueiro de propriedade da Companhia de Navegação São Paulo, construído em 1944. Em 16 de janeiro de 1954, o navio foi atingido por um incêndio durante a operação de descarga de combustíveis em São Luís, Maranhão, e afundou após queimar por três dias consecutivos, deixando 16 mortos.



Comentário de João Batista do Lago: Belíssimo poema [A NAU CELESTE]: As imagens que o P. nos sugere são imensas e inacabáveis. Fiquei com a sensação de estar presente àquele cais, assistindo ao desespero de todos aqueles que, de fato, ali estavam, e nada puderam fazer. O grito, do Sujeito do poema, revela a dualidade de um inferno real e de uma metaexistência de esperança que jamais se concretizará em qualquer futuro. Ainda hoje as almas pensam por ali. Olhem o cais à noite e verão corpos boiando agora num mar de asfalto.

Nota sobre o autor do comentário:[“João Batista do lago, maranhense, pode ser considerado, atualmente, um dos mais completos poetas e cronistas do Brasil, haja vista a consciência plural e significativa de sua intuição cultural, fato que o faz passear entre musgos históricos gregos e o modernismo clariciano, espargindo o pensamento poético alemão, americano ou inglês, sem esquecer das taças saboreantes dos vinhos que enebriaram o cismar dos poetas franceses como BAUDELAIRE (Charles Baudelaire), MALLARMÉ (Stéphane Mallarmé), FRANÇOIS COPÉE (François Édouard Joaquim Copée) e MUSSET (Louis Alfred de Musset) – o poeta do amor. Como eu, o Maranhão e o Brasil também, creio, se orgulham de João Batista do Lago, uma das maiores expressões literárias do mundo moderno. Fato que, realmente não deixa a desejar se comparado a nenhum dos franceses acima citados”. Marconi Caldas Poeta, escritor e advogado São Luís – Maranhão – Brasil 2007].


  

ÉRATO & CALÍOPE [Manoel Serrão]







Por Zeus e Mnemósine, ó cria de Urano e Gaia!

Que me-a fizestes?
Que me-a fizestes, ó Calíope?
Que me-a fizestes, ó rainha da epópeia.
Ó Deusa da eloquência e da poesia épica, que me-a fizestes?

Por Zeus e Mnemósine, ó filha de Urano e Gaia!
Que me-a fizestes?
Que me-a fizestes, ó Érato?
Que me-a fizestes, ó musa da lira.
Ó Deusa dos hinos e da poesia lírica, que me-a fizestes?
Deos, que me-a fizestes?

Ó régia de encantar os afetos?
Ó “fleur” delibada de cortejados dons?
Que me-a fizestes?

Tomaste-me às mãos.
Tomaste-me o corpo e as vestes.
Tornaste-me a essência.
Tomaste-me do avesso o inverso.

Não vês que já de pé, se comprazem e se alegram os meus versos?
Não vês que já pulsão, guirlandas de flores adornam-me o coração?
E que pétalas de rosas atapetam a chã d’alma, entorpece-me?

Ó ditosa, tece e ama!
Como desejo onde tu ‘stás, e aqui, devora-me,
Um’ hora, por toda parte a querer-te anseio mais.
Amostrade-mh-a Eros que no céu, d’agora,
No-lo - ás cirros gris nem cerúleo de azul igual.
No-lo - ás decassílabos de versos brancos nem rimas pobres,
Tampouco pranto no imo dantes quão inelutável aguaçal.

Por Pausânias,
Amostrade-mh-a Eros?
Não vês que o arco-íris no porto cais da poesia já não chora a dor sem amor na vida.
Ó vernal primavera de reflorescer a verve.
Ó ambrósia de suster no regalo o verbo.
Ó pôr Deos, que me-a fizestes, ó musa?
Ó oceano aberto, mar sem fronteiras,
Contigo irei até onde navegarem as velas.
Ó que me-a fizestes, Deia?

 

 

 

 

 

Perfil Nome completo: Manoel Serrão da Silveira Lacerda. Idade e naturalidade: Nasceu em São Luís [Atenas Brasileira] capital do Estado do Maranhão, na Santa Casa de Misericórdia, em 19 de abril de 1960. Filiação: Filho de Agamenon Lucas de Lacerda e de Oglady da Silveira Lacerda. Neto paterno de Manuel Lucas de Lacerda e Maria Antônia Lucas de Lacerda; neto materno de Hidalgo Martins da Silveira e Maria José Serra da Silveira. Ascendência geral de espanhóis e portugueses judeus. Profissão: Advogado e Professor de Direito, formado pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE, curso criado pela Carta Lei de 11.08.1827 - publicada em 21.08.1827 - Chancelaria Mor do Império do Brasil, que no passado acolheu dois presidentes: Epitácio Pessoa, em 1886 e Nilo Peçanha, em 1887. Acolheu outros nomes, os quais enriqueceram a nossa cultura como: Rui Barbosa. Castro Alves. Augusto dos Anjos. Ariano Suassuna. Miguel Arraes. Francisco Julião. Barão do Rio Branco. Barão de Lucena. Joaquim Nabuco. Fagundes Varela. Raul Pompéia. Tobias Barreto. Graça Aranha. Álvaro Lins. José Lins do Rego. Pontes de Miranda. João Pessoa. Clóvis Bevillaqua. Silvio Romero. Adolfo Cisnes. Assis Chateaubriand. Agamenon Magalhães. Luís Câmara Cascudo. Aurélio Buarque de Holanda, e tantos mais. Dimensionar a origem do berço poético do autor, assim como a dimensão e a importância do Maranhão para a cultura nacional, peço vênia para transcrever um pequeno trecho da obra do imortal membro da Academia Maranhense de Letras o professor Jomar Moraes, intitulada - Apontamentos de Literatura Maranhense - edições sioge - nota bene: "Sem receio de qualquer exagero chauvinista diríamos que a presença do Maranhão na literatura nacional se caracteriza, principalmente, pelo vanguardismo que sempre colocou nossos homens de letras à frente dos debates das novas ideias e da renovação de padrões estéticos. Do negrismo de Trajano Galvão ao neoconcretismo de Ferreira Gullar; do ideário estético e nacionalista de Gonçalves Dias às antecipações modernistas de Sousândrade; da lucidez analítica de João Francisco Lisboa ao ensaísmo da Franklin de Oliveira e Oswaldinho Marques; dos estudos folclóricos de Celso Magalhães ao romance naturalista de Aluísio de Azevedo; dos estudos de Nina Rodrigues à renovação estética pregada e apoiada por Graça Aranha, tudo revela e comprova a clara vocação de pioneirismo e liderança que assinala uma das mais características e importantes facetas da nossa participação na cultural nacional". E ainda, de Coelho Neto, Teófilo Dias, Vespasiano Ramos, Raimundo Teixeira Mendes, César Marques e muitos outros de uma constelação que brilha desde meados do século XIX. Dois dos quais – Gonçalves Dias e Teófilo Dias – são patronos de cadeiras na Casa de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, à Akademia dos Párias, dentre eles: Fernando Abreu, Paulo Melo Sousa, Garrone, Paulinho Nó Cego, Marcello Chalvinski, Zé Maria Medeiros, Celso Borges. Podemos citar: Arthur Azevedo; Catulo da Paixão Cearense; Bacelar Vianna; Bandeira Tribuzi; Padre Antônio Vieira [Sermão aos Peixes]; Odorico Mendes; Sotero dos Reis; João Francisco Lisboa; Gentil H. de Almeida Braga; Custódio A. P. Serrão [Frei]; Trajano Galvão; Josué Montello; Nauro Machado; José Sarney; José Chagas; José Maria Nascimento; Laura Amélia Damous; Luís Augusto Cassas; Alex Brasil, Antônio Miranda, Carlos Cunha, Dagmar Desterro, Joãozinho Ribeiro, Lago Burnett, Odylo Costa, Roberto Kenard, Salgado Maranhão, Vespasiano Ramos, Joaquim Haickel, João Batista Gomes do Lago; Mhario Lincoln; Lenita de Sá, João Paulo Leda, Evilásio Júnior, Antônia Veloso, Luiza Cantanhede, Zélia Maria Bacelar Viana, além de muitos tantos outros.
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Parabéns por seus textos e seus poemas, meu caro Manoel Serrão. Poesia é, como disse o grande poeta Octávio Paz, salvação e nós dois seremos salvos por ela, assim como todo aquele que faça da beleza o único pão para sua alma. Tenho igual honra em te-lo como leitor. Um forte e cordial abraço.
06/março/2019

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