Ubi Troia Fuit
Eu queria que tu perdesses a beleza e ficasses,
não a estátua mutilada que liberta e amplia o êxtase,
mas a transfiguração de teu próprio esplendor,
a tua metempsicose em criatura usual,
integrada na turba.
Eu queria que tua beleza morresse
e que, como um mar de naufrágio,
sobrevivesse o teu corpo deserto de tua
graça sem vestígio.
Os homens perderiam a lembrança de seu desejo
e na lembrança dos homens se apagaria a tua irradiação
e ante os olhos dos homens se fecharia para
sempre o sulco que teus gestos
cadenciados abrem no ar
e a inconstância dos homens, insensível a
teu desastre, esqueceria a tua primavera.
Eu, só eu, ficaria contigo, eu só, com a
alegria de guardar intacta a tua imagem.
Tudo que para minha percepção nasceu de ti
permaneceria integral e imutável:
a rua continuaria sendo o friso que tu
povoaste de efígies harmoniosas
nascidas de cada passo de tua marcha;
a noite continuaria sendo o veludo morno
com que teu beijo a prolongou até a
origem de meu sonho;
e diante de mim a felicidade continuaria,
vigilante e eterna, no fundo de teus
olhos de antigamente já apagados
para os outros que os olharam.
Eu, só eu, ficaria contigo
e seria o senhor fabuloso de um tesouro
desaparecido que a cobiça não percebe,
e seria a voz secreta, a alma imperecível de
uma cidade morta,
e seria o testemunho revelador de uma
legenda esquecida.
Eu, só eu, ficaria contigo...
E, de trazer-te em mim,
eu seria a fôrma ignorada de uma
escultura perdida
de cuja perfeição os homens se recordam com nostalgia.
Publicado no livro Lanterna Verde (1926). Poema integrante da série Amor, que Move o Sol.
In: D'OLIVEIRA, Felippe. Obra completa. Atual. e org. Lígia Militz da Costa, Maria Eunice Moreira e Pedro Brum Santos. Porto Alegre: IEL; Santa Maria: UFSM, 1990. p.91-9
não a estátua mutilada que liberta e amplia o êxtase,
mas a transfiguração de teu próprio esplendor,
a tua metempsicose em criatura usual,
integrada na turba.
Eu queria que tua beleza morresse
e que, como um mar de naufrágio,
sobrevivesse o teu corpo deserto de tua
graça sem vestígio.
Os homens perderiam a lembrança de seu desejo
e na lembrança dos homens se apagaria a tua irradiação
e ante os olhos dos homens se fecharia para
sempre o sulco que teus gestos
cadenciados abrem no ar
e a inconstância dos homens, insensível a
teu desastre, esqueceria a tua primavera.
Eu, só eu, ficaria contigo, eu só, com a
alegria de guardar intacta a tua imagem.
Tudo que para minha percepção nasceu de ti
permaneceria integral e imutável:
a rua continuaria sendo o friso que tu
povoaste de efígies harmoniosas
nascidas de cada passo de tua marcha;
a noite continuaria sendo o veludo morno
com que teu beijo a prolongou até a
origem de meu sonho;
e diante de mim a felicidade continuaria,
vigilante e eterna, no fundo de teus
olhos de antigamente já apagados
para os outros que os olharam.
Eu, só eu, ficaria contigo
e seria o senhor fabuloso de um tesouro
desaparecido que a cobiça não percebe,
e seria a voz secreta, a alma imperecível de
uma cidade morta,
e seria o testemunho revelador de uma
legenda esquecida.
Eu, só eu, ficaria contigo...
E, de trazer-te em mim,
eu seria a fôrma ignorada de uma
escultura perdida
de cuja perfeição os homens se recordam com nostalgia.
Publicado no livro Lanterna Verde (1926). Poema integrante da série Amor, que Move o Sol.
In: D'OLIVEIRA, Felippe. Obra completa. Atual. e org. Lígia Militz da Costa, Maria Eunice Moreira e Pedro Brum Santos. Porto Alegre: IEL; Santa Maria: UFSM, 1990. p.91-9
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