Miguel Torga
Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.
1907-08-12 S.Martinho de Anta-Sabrosa, Portugal
1995-01-17 Coimbra
745980
33
1503
O regresso
"Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar.
Ouvi, agora, Senhores
Uma história de pasmar..."
A Mãe correu à varanda,
Bem longe de imaginar
Que o alarme desejado
Vinha dum cego a cantar:
"Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar..."
A Mãe abriu num soluço
O coração a sangrar,
Porque a sola era tão rija
Que a não podiam tragar...
"Deitam sortes à ventura
Qual se havia de matar".
(A Mãe tinha pão na arca
E não lho podia dar!)
"Logo foi cair a sorte..."
(Que sorte tão singular!).
O gageiro olhava, olhava,
Mas só via céu e mar...
"Alvíssaras, Capitão..."
E o vento a enrodilhar
A voz do homem da gávea
Na do ceguinho a cantar!
"A minha alma é só de Deus,
O corpo dou-o eu ao mar..."
A Mãe, que nada podia,
Já só podia rezar...
"Deu um estoiro o demónio,
Acalmaram vento e mar."
E quando o cego acabou
Estavam em terra a varar...
Que tem muito que contar.
Ouvi, agora, Senhores
Uma história de pasmar..."
A Mãe correu à varanda,
Bem longe de imaginar
Que o alarme desejado
Vinha dum cego a cantar:
"Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar..."
A Mãe abriu num soluço
O coração a sangrar,
Porque a sola era tão rija
Que a não podiam tragar...
"Deitam sortes à ventura
Qual se havia de matar".
(A Mãe tinha pão na arca
E não lho podia dar!)
"Logo foi cair a sorte..."
(Que sorte tão singular!).
O gageiro olhava, olhava,
Mas só via céu e mar...
"Alvíssaras, Capitão..."
E o vento a enrodilhar
A voz do homem da gávea
Na do ceguinho a cantar!
"A minha alma é só de Deus,
O corpo dou-o eu ao mar..."
A Mãe, que nada podia,
Já só podia rezar...
"Deu um estoiro o demónio,
Acalmaram vento e mar."
E quando o cego acabou
Estavam em terra a varar...
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