Mário de Sá-Carneiro
Mário de Sá-Carneiro foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.
1890-05-19 Lisboa
1916-04-26 Paris, França
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Crise Lamentável
Gostava
tanto de mexer na vida,
De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe ...
E não há forma: cada vez mais perdida
Mas a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente,
Não Ter juízo nos meus livros – mas
Chegar ao fim do mês com as
Despesas pagas religiosamente.
Não Ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas –
À minha torre ebúrnea abrir janelas
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia para quebrar as roscas
Desta engrenagem que emperrando vai.
– Não mandar telegramas ao meu pai
– Não andar por Paris, como ando , às moscas.
Levantar-me e sair – não precisar
De hora e meia antes de vir prá rua.
Pôr termo a isto de viver na lua,
– perder a frousse das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa de amigos que frequento –
Não me embrenhar por histórias duvidosas
Que em fantasia apenas argumento.
Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete:
E sempre o oiro em chumbo se derrete
Por meu azar ou minha zoina suada ...
tanto de mexer na vida,
De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe ...
E não há forma: cada vez mais perdida
Mas a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente,
Não Ter juízo nos meus livros – mas
Chegar ao fim do mês com as
Despesas pagas religiosamente.
Não Ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas –
À minha torre ebúrnea abrir janelas
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia para quebrar as roscas
Desta engrenagem que emperrando vai.
– Não mandar telegramas ao meu pai
– Não andar por Paris, como ando , às moscas.
Levantar-me e sair – não precisar
De hora e meia antes de vir prá rua.
Pôr termo a isto de viver na lua,
– perder a frousse das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa de amigos que frequento –
Não me embrenhar por histórias duvidosas
Que em fantasia apenas argumento.
Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete:
E sempre o oiro em chumbo se derrete
Por meu azar ou minha zoina suada ...
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