Jorge Santos (namastibet)

Jorge Santos (namastibet)

Que fazer, se assombro tudo que faço de medo e a fracasso ...

1961-07-03 Setúbal
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Alguns Poemas

JOEL MATOS



JOEL MATOS
por
Jorge Santos
Capítulo 1



Conhecemo-nos numa certa tarde de outono, no caminho do Liceu de Oeiras/Paço de Arcos, chamava-se Sebastião "Silva e mais qualquer-coisa", perto de Lisboa ou seja entre Cascais e Lisboa, sou muito mau a fixar nomes de sítios, pessoas e coisas; creio que foi numa área de residências de luxo muito antigas, típicas casas senhoriais do antigo regime, pintadas de amarelo e branco; lembro-me que não era muito longe do quartel militar onde Joel Matos, como mais tarde vim a saber o nome; disse que cumpria serviço militar, nessa altura de 1982, em outubro, era um dia já tardio, igual a outro dia qualquer, realizávamos a pé, desde Paço de Arcos a Oeiras, o mesmo trajeto, já nos tínhamos avistado noutras alturas mas nunca tínhamos começado conversa; aparentou-se-me despretensioso e tímido, vestia farda verde seco demasiado larga e ainda maiores as botas, davam um ar cómico de pinguim andante ou Charlie Chaplin sem bengala nem bigode, a boina mal ajeitada e o sentimento de haver sido deslocado no espaço e no tempo que quase todos os soldados do serviço militar obrigatório aparentavam por mais que o tentassem esconder quando perseguiam com olhar e mãos, as raparigas da terra, fartas de soldadinhos imberbes mas atrevidos dentro das cómicas fatiotas esverdeadas, vazias.
Lembro-me particularmente desse ano por uma situação singular, foi aquando da visita do Papa que nessa época era João Paulo II a 12 de maio no Santuário de Fátima, dia em que foi vítima de tentativa de atentado por membro de uma outra religião; saiu ileso dizia-se na altura - por milagre "divino". O papa perdoou-o em visita à prisão onde se encontrava detido, poucos dias depois do inconveniente episódio.
Assemelhou-se a algo assim estranho também aquele encontro, mas prefiro usar a palavra invulgar como adjetivo para uma ligação que ainda dura mais de vinte anos depois e para alguém tão pouco comum tal como o Joel Matos, surreal até.
Germinámos parceiros e parecidos no mesmo ano de 1961, temos a mesma idade, embora Joel tenha surgido em mês e dia par e eu em impares ambas as datas, dia e mês.
Nessa noite as aulas passaram tão rapidamente que nem dei por terem acabado, tão determinado estava em desenhar o mistério deste personagem que parecia conhecer irmãmente ou assim como a mim próprio, mas que, por algum motivo de desassemelhava em tantos e importantes aspetos comigo.
Era sombria a áurea que nos rodeava, quase esquisita, e o Joe, pensativo dava aquela aparência de quem não quer receber visitas fosse a que horas fosse, de dia ou de noite. Falámos sem trocar palavras e entendíamo-nos como os mudos se entendem, sem dizer palavra, diminuindo as sílabas vocais.
Corrosivo e caustico, acabava sempre por pedir desculpa apesar de conscientemente sentir que usufruía como certas as opiniões que tinha além das oportunidades mais honestas deste mundo.
Os dias passaram e nós dois também passámos mais ou menos discretamente de afeiçoados um ao outro a confidentes íntimos, inseparáveis até ao osso e à medula óssea.
Eu podia ter parado, sentia que deveria parar este influenciar mutuo, tive a sensação de proximidade com Joel por diversas vezes antes desse dia e ao longo dos anos embora sempre rejeitasse e repelisse semelhante ideia pois a achava sintomática de esquizofrenia ou loucura, mas ali estava ele finalmente; nós frente um ao outro como irmãos apenas separados por hélio e formas diferentes de ler o nosso próprio conteúdo.

Capítulo II
Incomoda-me ainda hoje, decorridos tantos anos, o nome que atribui a si mesmo esta personagem que sempre e esporadicamente me povoou e se desenvolveu em mim, perante mim e se desenrola agora na minha expressão dramática sem ser necessariamente distinto ou distinta, mas seguindo um instinto separado, não paralelo. Incomoda-me a facilidade de argumentos e o "dark soul", o modo impulsivo explosivo e compulsivo com que raciocina e a compreensibilidade lógica subjacente e independente, par.
Disse-me um dia Joel em nome de um grande homem que admira "Basta existir-se para ser completo" tomando como princípio que existe ele mesmo e ao qual eu respondi olhando-o nos olhos verdes, lembro-me tão bem, sentados na guarita da Arrábida no Sírio de Maio,
"Tod'a fraqueza é possível quanto dura for a pele, tu não és fraco, és puro Joel, nada te coíbe de ser inteiro"

(cont)

Jorge Santos (Namastibet)

Notas de um velho nojento




O Trashumante (na primeira pessoa)

Notas de um velho nojento

(parte um)

Houve ao longo da minha porca existência alguns curtos e pouco prósperos momentos de prazer realmente genuíno e em que pude considerar-me lúcido o suficiente para poder auto ajuizar-me ou gabar-me dos meus actos. Recordado e ao vivo, para alguns será condenatório, como estas lembranças de agora mesmo e embora correndo risco de ainda piorar o enxoval, a sordidez e a êxtase do nojo que sinto de mim mesmo como numa mistura agridoce de orgulho miserável, pobre e sem preconceito.
Considero estas memórias cujas antes de mais como um mau hino, um hiato libertador, uma declaração ciente consciente de uma falta de higiene moral, sem cerimonial nem usurpada indemnização de todas as minhas ilícitas, ordinárias e libidinosas ações, não lhes podendo chamar de feitos ou proezas que não escondo, não posso, façanhas são façanhas, não têm nem possuem tão belas ou sujas e desonestas qualidades quanto as que eu a mim próprio me atribuo e me encantam, enojam ou honram apenas e mesmo que só pronunciadas com alguma glória por uma má e reles escrita quanto esta sem estética, harmonia ou beleza, direi que apenas se afigura como da mais fina e refinada flor do esterco, da má reputação ou do pântano lobregue, do logro em que toda esta sórdida, baixa existência se tornou, afinal até os extremos se tocam, indeléveis.
As vielas toscas e sórdidas eram um “habitat” providencial, libidinoso e era nelas que me sentia consumado e em casa, chafurdando na merda, na miséria mais infecta, rastejante. Sentia-me talvez um pouco menor ou ainda mais abjecto se é que sentia ainda algo superlativo no corpo, sob o ralo cabelo, quando saía aos tropeções ou era despejado das imundas tabernas aos pontapés quando se acabava o pouco que tinha para gastar em álcool ou em veneno, sabia lá eu o que era aquela surrapa que destilava pelos rins e que impregnava a pele de cheiro a mijo e a aguardente bera ou falsa numa mistura cacofónica.
Naquela noite fria de Dezembro, lembro-me perfeitamente como se fosse ontem, uma jovem talvez por inexperiência profissional levantou-me levemente do chão com especial carinho ou compaixão, lavou-me o rosto com a ponta do vestido vermelho e olhou nos meus olhos de uma forma tão angelical que me esqueci ou talvez quisesse era mesmo apagar o seu rosto feliz das minhas memórias, quem sabe ela tivesse por momentos esquecido da imundice e dos maus odores a nós próprios e que nos rodeavam, alguns mesmo vindo das rameiras e dos chulos que, como uma fauna nauseabunda, indistinta e vegetal, quase que obrigando quem por ali se aventurasse aquelas horas da madrugada, ao sexo de todas as maneiras, formas e feitios que a famigerada mente humana pode elaborar ou inventar, retorcer.
Perverso por instinto, não pensei uma nem duas vezes, apesar de cambalear tentando endireitar-me nos fracos e alvos braços dela e sem ter o mínimo de decência, pudor ou alguma gota de respeito por algum ou qualquer ser humano, empurrei-a grosseiramente contra a parede grafitada do casario, tentei não sentir dó nem piedade no vocabulário vernáculo, nos palavrões mais velhacos que conhecia e arremessei grotescamente, que ejaculei pelo meio dos dentes em falta e de outros mais que podres. Não sei nem saberei jamais o que é ter dó ou pena por coisa alguma ou por alguém, sentia sim desprezo por tudo e todos e inclusive por mim.
Como quem dobra um submisso animal por gozo, curvei-a pelas coxas, segurei-a pelas axilas e à minha territorial vontade, agarrando-a submetendo-a pelos cabelos mal pintados e encardidos até ao mais baixo que se pode levar contra a seu desejo alguém, usei-a até ser apenas papel mata borrão e mais uma puta sodomizada à traição, de quarteirão barato igual a tantas outras, como era, pensava eu de facto e após o imposto acto não remunerado e criminoso.
Sentia-me novamente tão real quanto repulsivo, abjecto, vasculhando nos bojos das calças sujas, deslavadas do sangue quente da boca da matrona na braguilha, manchado a sémen; procurava pela chave do quarto que se situava mesmo ao fundo dos fundos da rua, numa cave putrefacta, sem janelas e sem limpeza, tão imunda quanto a real realidade dos sonhos de quem realmente não sonha ou nada sente.

O Trashumante (Março 2023)

 

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filipemalaia
Gostei muito de o descobrir Jorge. Obrigado!
31/dezembro/2019
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nilza_azzi
É bom ler o que escreves; tens ritmo, domínio da línguagem poética e abordas temas intensos.
22/agosto/2019
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namastibet
obrigado a todos que me leram
09/janeiro/2019
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ricardoc
Igualmente! Estou me familiarizando com a plataforma. Abraços, RicardoC.
23/abril/2018
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131992
muito intenso seus poemas, adorei.
26/outubro/2017
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Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa! Raimundo Correia

-Raimundo Correia
07/fevereiro/2013

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