Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes

Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro.

1913-10-19 Gávea, Rio de Janeiro, Brasil
1980-07-09 Rio de Janeiro, Brasil
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Balada de Pedro Nava

(O anjo e o túmulo)

I

Meu amigo Pedro Nava
Em que navio embarcou:
A bordo do Westphalia
Ou a bordo do Lidador?

Em que antárticas espumas
Navega o navegador

Em que brahmas, em que brumas
Pedro Nava se afogou?

Juro que estava comigo
Há coisa de não faz muito
Enchendo bem a caveira
Ao seu eterno defunto.

Ou não era Pedro Nava
Quem me falava aqui junto
Não era o Nava de fato
Nem era o Nava defunto?...

Se o tivesse aqui comigo
Tudo se solucionava
Diria ao garçom: Escanção!
Uma pedra a Pedro Nava!

Uma pedra a Pedro Nava
Nessa pedra uma inscrição:
"- deste que muito te amava
teu amigo, teu irmão..."

Mas oh, não! que ele não morra
Sem escutar meu segredo
Estou nas garras da Cachorra
V ou ficar louco de medo

Preciso muito falar-lhe
Antes que chegue amanhã:
Pedro Nava, meu amigo
DESCEU O LEVIATÃ!


II

A moça dizia à lua
Minha carne é cor-de-rosa
Não é verde como a tua
Eu sou jovem e formosa.
Minhas maminhas - a moça
À lua mostrava as suas -
Têm a brancura da louça
Não são negras como as tuas.
E ela falava: Meu ventre
É puro - e o deitava à lua
A lua que o sangra dentro
Quem haverá que a possua?
Meu sexo - a moça jogada
Entreabria-se nua -
É o sangue da madrugada

Na triste noite sem lua.
Minha pele é viva e quente
Lança o teu raio mais frio
Sobre o meu corpo inocente...
Sente o teu como é vazio.


III

A sombra decapitada
Caiu fria sobre o mar...
Quem foi a voz que chamou?
Quem foi a voz que chamou?

- Foi o cadáver do anjo
Que morto não se enterrou.

Nas vagas boiavam virgens
Desfiguradas de horror...
O homem pálido gritava:
Quem foi a voz que chamou?

- Foi o extático Adriático
Chorando o seu paramor.

De repente, no céu ermo
A lua se consumou...
O mar deu túmulo à lua.
Quem foi a voz que chamou?

- Foi a cabeça cortada
Na praia do Arpoador.

O mar rugia tão forte
Que o homem se debruçou
Numa vertigem de morte:
Quem foi a voz que chamou?

- Foi a eterna alma penada
Daquele que não amou.

No abismo escuro das fragas
Descia o disco brilhante
Sumindo por entre as águas...
Oh lua em busca do amante!
E o sopro da ventania
Vinha e desaparecia.

Negro cárcere da morte
Branco cárcere da dor
Luz e sombra da alvorada...
A voz amada chamou!

E um grande túmulo veio
Se desvendando no mar
Boiava ao sabor das ondas
Que o não queriam tragar.

Tinha uma laje e uma lápide
Com o nome de uma mulher
Mas de quem era esse nome
Nunca o pudesse dizer.
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