Ofício da escrita

Sento-me à máquina
e tento vencer,
numa hora imprópria
para menore, o desafio
da folha em branco.

Se as letras
não saltam,
não adianta
fazê-las pular
da esfera.

Penso que o defeito
é da máquina
e não da mente
que emperra.

Forço novamente
a escrita
e as palavras se espalham
cheias de bolor.

Armo-me com
uma chave de fenda
e desparafuso
as teclas
e a barra
com que preencherei
os espaços da memória.

O carro já não anda.
a não ser quando
eu engato
a marcha-retrocesso
de volta à vida.

A esta altura,
a máquina não é mais
que um montão
de letras delirantes
em ordem (an)alfabética.

Como recompor
o que a vida mecânica
teima em manter
sob o jugo do espírito?

Jogo para o alto
os tipos enferrujados
e eles caem de papo pro ar.

No caos maquinário
e digital,
restam, apenas,
o til, o circunflexo,
o grave e o agudo acento
e mais a crase limpa,
de uso racional,
entre parênteses
que se derramam tristes,
prendendo o que resta
de mim na folha branca,
desafiadoramente branca.

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