Herberto Helder
Herberto Helder de Oliveira foi um poeta português, considerado por alguns o 'maior poeta português da segunda metade do século XX' e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa.
1930-11-23 Funchal
2015-03-23 Cascais
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Ii D
Esta coluna de água, bastam-lhe o peso próprio,
o ar à roda,
ter sido olhada não como imagem de uma garrafa
mas como concreta e contínua forma;
ou subir na memória
de alguém que,
vendo-a,
sabe que vai desaparecer e arrebata,
num afluxo molecular,
não o nome dela: coluna ou garrafa ou centro do planeta, mas
ter sido olhada completamente
uma vez,
ela,
e na voltagem da luz transferir-se para outra
zona: ser uma garrafa luzindo
de ar e água
e quietude; ou que se não transfira, e seja então
como se a roçasse Deus por cima
de tudo:
linguagem, biografia, pensamento, eternidade —
prumo de água com raios,
vidro com raios,
coisa
— e salvando-se da ordem dos elementos gerais:
Deus também, e as linhas direitas por onde escreve
torto: moléculas,
mais nada, perenes,
com raios,
no caos de tantos objectos complexos: toalha às riscas,
uma faca, livros, duas
esferográficas, uma pedra próxima, o braço que atravessa
a terra até à pedra —
e o exemplo da água firme
(e como não serve o exemplo) de
Deus de
quem não há rasto, nem no caos, nem
no verbo,
nem no corpo da água, engenharia inabalável
na ausência ou,
quem sabe?, na muita lembrança da luz,
se houvesse desde o princípio, dedo no dedo,
a faúlha,
ou se quiserem: no toque dedo no dedo,
o abalo oculto —
garrafa diurna gerada como absoluto, a fogo.
o ar à roda,
ter sido olhada não como imagem de uma garrafa
mas como concreta e contínua forma;
ou subir na memória
de alguém que,
vendo-a,
sabe que vai desaparecer e arrebata,
num afluxo molecular,
não o nome dela: coluna ou garrafa ou centro do planeta, mas
ter sido olhada completamente
uma vez,
ela,
e na voltagem da luz transferir-se para outra
zona: ser uma garrafa luzindo
de ar e água
e quietude; ou que se não transfira, e seja então
como se a roçasse Deus por cima
de tudo:
linguagem, biografia, pensamento, eternidade —
prumo de água com raios,
vidro com raios,
coisa
— e salvando-se da ordem dos elementos gerais:
Deus também, e as linhas direitas por onde escreve
torto: moléculas,
mais nada, perenes,
com raios,
no caos de tantos objectos complexos: toalha às riscas,
uma faca, livros, duas
esferográficas, uma pedra próxima, o braço que atravessa
a terra até à pedra —
e o exemplo da água firme
(e como não serve o exemplo) de
Deus de
quem não há rasto, nem no caos, nem
no verbo,
nem no corpo da água, engenharia inabalável
na ausência ou,
quem sabe?, na muita lembrança da luz,
se houvesse desde o princípio, dedo no dedo,
a faúlha,
ou se quiserem: no toque dedo no dedo,
o abalo oculto —
garrafa diurna gerada como absoluto, a fogo.
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