Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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890
Ode E Germinações
I
O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, meu fruto destes dias velozes,
diz-me, se sempre estiveram ao teu lado
durante anos e viagens e através de luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria
ou se só agora, só
saem das tuas raízes
como à terra seca a água traz
um germinar que não conhecia,
ou aos lábios do cântaro esquecido
sobe na água o gosto da terra?
Não sei, não me digas nada, não o sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas quando aproximo os meus sentidos
da luz da tua pele, desapareces,
dissolves-te como o ácido
aroma de um fruto
e o calor de um caminho,
o odor do milho que se desfolha,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra empoeirada,
o perfume infinito da pátria:
magnólia e mato, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta da aldeia,
o pão recém-nascido:
ai toda a tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e de novo serei contigo
a terra que tu és:
és em mim profunda primavera:
em ti volto a saber como germino.
II
Esses teus anos que devia ter sentido
crescer perto de mim como cachos
até teres visto como o sol e a terra
te tinham feito para as minhas mãos de pedra,
até que uva a uva tivesses feito
cantar nas minhas veias o vinho.
O vento ou o cavalo
ao desviarem-se puderam
fazer com que eu tivesse passado pela tua infância,
viste o mesmo céu todos os dias,
o mesmo barro do inverno obscuro,
a ramagem sem fim das ameixieiras
e a sua doçura de cor arroxeada.
Apenas alguns quilómetros de noite,
as distâncias molhadas
da aurora campestre,
um punhado de terra nos separou, os muros
transparentes
que não atravessámos, para que a vida,
depois, pusesse todos
os mares e a terra
entre nós, e nos aproximássemos
não obstante o espaço,
passo a passo em busca um do outro,
de um oceano a outro,
até ver que o céu se incendiava
e voavam na luz os teus cabelos
e chegaste aos meus beijos com o fogo
de um meteoro desenfreado
e ao derreteres-te no meu sangue, recebi
na boca a doçura
da ameixa selvagem da nossa infância,
e abracei-te contra mim como
se readquirisse a terra e a vida.
III
Minha rapariga selvagem, tivemos
de recuperar o tempo
e andar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
recolhendo de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que foi aproximando os teus pés dos meus,
e assim sob a minha boca
voltas a ver a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as suas raízes
até ao meu coração que te esperava.
E uma a uma as noites
entre as nossas cidades separadas
juntam-se à noite que nos une.
A luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
nos entregam, tirando-os do tempo,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz o nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor no nosso amor se encerra:
toda a sede termina no nosso abraço.
Aqui estamos por fim frente a frente,
encontrámo-nos,
nada perdemos.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocámos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
como mortas medalhas
atirámo-lo para o fundo do mar,
tudo o que aprendemos
não nos serviu de nada:
começamos de novo,
terminamos de novo
morte e vida.
E aqui sobrevivemos,
puros, com a pureza que criamos,
mais vastos do que a terra que não nos pôde apartar,
eternos como o fogo que arderá
enquanto durar a vida.
O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, meu fruto destes dias velozes,
diz-me, se sempre estiveram ao teu lado
durante anos e viagens e através de luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria
ou se só agora, só
saem das tuas raízes
como à terra seca a água traz
um germinar que não conhecia,
ou aos lábios do cântaro esquecido
sobe na água o gosto da terra?
Não sei, não me digas nada, não o sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas quando aproximo os meus sentidos
da luz da tua pele, desapareces,
dissolves-te como o ácido
aroma de um fruto
e o calor de um caminho,
o odor do milho que se desfolha,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra empoeirada,
o perfume infinito da pátria:
magnólia e mato, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta da aldeia,
o pão recém-nascido:
ai toda a tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e de novo serei contigo
a terra que tu és:
és em mim profunda primavera:
em ti volto a saber como germino.
II
Esses teus anos que devia ter sentido
crescer perto de mim como cachos
até teres visto como o sol e a terra
te tinham feito para as minhas mãos de pedra,
até que uva a uva tivesses feito
cantar nas minhas veias o vinho.
O vento ou o cavalo
ao desviarem-se puderam
fazer com que eu tivesse passado pela tua infância,
viste o mesmo céu todos os dias,
o mesmo barro do inverno obscuro,
a ramagem sem fim das ameixieiras
e a sua doçura de cor arroxeada.
Apenas alguns quilómetros de noite,
as distâncias molhadas
da aurora campestre,
um punhado de terra nos separou, os muros
transparentes
que não atravessámos, para que a vida,
depois, pusesse todos
os mares e a terra
entre nós, e nos aproximássemos
não obstante o espaço,
passo a passo em busca um do outro,
de um oceano a outro,
até ver que o céu se incendiava
e voavam na luz os teus cabelos
e chegaste aos meus beijos com o fogo
de um meteoro desenfreado
e ao derreteres-te no meu sangue, recebi
na boca a doçura
da ameixa selvagem da nossa infância,
e abracei-te contra mim como
se readquirisse a terra e a vida.
III
Minha rapariga selvagem, tivemos
de recuperar o tempo
e andar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
recolhendo de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que foi aproximando os teus pés dos meus,
e assim sob a minha boca
voltas a ver a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as suas raízes
até ao meu coração que te esperava.
E uma a uma as noites
entre as nossas cidades separadas
juntam-se à noite que nos une.
A luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
nos entregam, tirando-os do tempo,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz o nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor no nosso amor se encerra:
toda a sede termina no nosso abraço.
Aqui estamos por fim frente a frente,
encontrámo-nos,
nada perdemos.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocámos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
como mortas medalhas
atirámo-lo para o fundo do mar,
tudo o que aprendemos
não nos serviu de nada:
começamos de novo,
terminamos de novo
morte e vida.
E aqui sobrevivemos,
puros, com a pureza que criamos,
mais vastos do que a terra que não nos pôde apartar,
eternos como o fogo que arderá
enquanto durar a vida.
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