Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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Fala um transeunte das Américas chamado Chivilcoy
I.
Eu mudo de rumo, de emprego, de bar e de barco, de pelo
de renda e mulher, lancinante, de propósito não existo,
talvez sou mexibiano, argentuaio, bolívio,
caribião, panamante, colomvenechilenomalteco:
aprendi nos mercados a vender e comprar caminhando;
me inscrevi nos partidos díspares e mudei de camisa
impulsionado
pelas necessidades rituais que jogam à merda o crepúsculo
e confesso saber mais que todos sem ter aprendido:
o que ignoro não vale a pena, não se paga na praça, senhores.
Me acostumo a sapatos quebrados, gravatas surradas, cuidado,
quando menos pensarem levo um grande solitário em um dedo
e me engomam por dentro e por fora, me perfumam, me cuidam, me penteiam.
Casei-me na Nicarágua: perguntem vocês pelo general Allegado
que teve a honra de ser sogro de seu servidor, e mais tarde
na Colômbia fui esposo legítimo de uma Jaramillo Restrepo.
Se meus matrimônios terminam mudando de clima, não importa.
(Falando entre homens: Minha chola18 de tambo19: Algo sério na cama.)
Vendi manteiga e chancaca20 nos partos peruanos
e medicamentos de um povoado a outro da Patagônia:
vou envelhecendo nas más pensões sem dinheiro,
passando por rico,
e passando por pobre entre ricos, sem ter ganho nem
perdido nada.
II.
Da janela que me corresponde na vida
vejo o mesmo jardim poeirento de terra mesquinha
com cães errantes que urinam e ainda buscam a felicidade,
ou excrementícios e eróticos gatos que não se interessam por vidas alheias.
III.
Eu sou aquele homem rodado por tantos quilômetros e sem existência:
sou pedra em um rio que não tem nome no mapa,
sou o passageiro dos ônibus gastos de Oruro
e ainda que pertença às cervejarias de Montevidéu
na Boca andei vendendo guitarras do Chile
e sem passaporte entrava e saía pelas cordilheiras.
Suponho que todos os homens deixam bagagem;
eu vou deixar como herança o mesmo que o cão;
é o que levei entre as pernas: meus bens são esses.
IV.
Se desapareço apareço com outra visão: dá no mesmo.
Sou um herói imperecível não tenho começo nem fim
e minha moral consiste em um prato de peixe frito.
Eu mudo de rumo, de emprego, de bar e de barco, de pelo
de renda e mulher, lancinante, de propósito não existo,
talvez sou mexibiano, argentuaio, bolívio,
caribião, panamante, colomvenechilenomalteco:
aprendi nos mercados a vender e comprar caminhando;
me inscrevi nos partidos díspares e mudei de camisa
impulsionado
pelas necessidades rituais que jogam à merda o crepúsculo
e confesso saber mais que todos sem ter aprendido:
o que ignoro não vale a pena, não se paga na praça, senhores.
Me acostumo a sapatos quebrados, gravatas surradas, cuidado,
quando menos pensarem levo um grande solitário em um dedo
e me engomam por dentro e por fora, me perfumam, me cuidam, me penteiam.
Casei-me na Nicarágua: perguntem vocês pelo general Allegado
que teve a honra de ser sogro de seu servidor, e mais tarde
na Colômbia fui esposo legítimo de uma Jaramillo Restrepo.
Se meus matrimônios terminam mudando de clima, não importa.
(Falando entre homens: Minha chola18 de tambo19: Algo sério na cama.)
Vendi manteiga e chancaca20 nos partos peruanos
e medicamentos de um povoado a outro da Patagônia:
vou envelhecendo nas más pensões sem dinheiro,
passando por rico,
e passando por pobre entre ricos, sem ter ganho nem
perdido nada.
II.
Da janela que me corresponde na vida
vejo o mesmo jardim poeirento de terra mesquinha
com cães errantes que urinam e ainda buscam a felicidade,
ou excrementícios e eróticos gatos que não se interessam por vidas alheias.
III.
Eu sou aquele homem rodado por tantos quilômetros e sem existência:
sou pedra em um rio que não tem nome no mapa,
sou o passageiro dos ônibus gastos de Oruro
e ainda que pertença às cervejarias de Montevidéu
na Boca andei vendendo guitarras do Chile
e sem passaporte entrava e saía pelas cordilheiras.
Suponho que todos os homens deixam bagagem;
eu vou deixar como herança o mesmo que o cão;
é o que levei entre as pernas: meus bens são esses.
IV.
Se desapareço apareço com outra visão: dá no mesmo.
Sou um herói imperecível não tenho começo nem fim
e minha moral consiste em um prato de peixe frito.
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