Charles Bukowski
poeta, contista e romancista estadunidense
1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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40 Anos Atrás Naquele Quarto de Hotel
na Union Avenue, 3 da manhã, Jane e eu estávamos
bebendo vinho barato desde o meio-dia e eu andava de pés descalços
pelos tapetes, recolhendo cacos de vidro
(à luz do dia você conseguia vê-los embaixo da pele,
protuberâncias azuis abrindo caminho rumo ao coração) e eu andava usando
meus calções rasgados, colhões feiosos balançando pra fora, minha retorcida e
rasgada camisa de baixo pontilhada por buracos de cigarro de diversos
tamanhos. parei diante de Jane, que estava sentada em sua cadeira
bêbada.
então gritei para ela:
“SOU UM GÊNIO E NINGUÉM SABE DISSO FORA
EU!”
ela sacudiu a cabeça, riu com escárnio e balbuciou por entre os
lábios:
“caralho! você é um idiota
de merda!”
eu andei à espreita pelo piso, dessa vez recolhendo um
fragmento de vidro bem maior do que o normal, e estiquei a mão
e o arranquei: um adorável e grande naco em forma de lança, pingando
com o meu sangue, eu o arremessei no espaço, me virei e fuzilei Jane
com os olhos:
“você não sabe nada, sua
puta!”
“VÁ SE FODER!”, ela
gritou.
então o telefone tocou e eu atendi e
gritei: “SOU UM GÊNIO E NINGUÉM SABE DISSO FORA
EU!”
era o recepcionista: “Sr. Chinaski, eu lhe adverti
diversas vezes, o senhor não está deixando nossos
hóspedes dormirem...”
“HÓSPEDES?”, eu ri, “VOCÊ QUER DIZER ESSES BEBUNS
DE MERDA?”
então Jane apareceu e agarrou o telefone e
gritou: “EU SOU UM MALDITO GÊNIO TAMBÉM E SOU A
ÚNICA PUTA QUE SABE DISSO!”
e ela desligou.
então fui até a porta e
prendi a corrente.
então Jane e eu empurramos o sofá na
frente da porta
desligamos as luzes
e ficamos sentados na cama
esperando por eles,
tínhamos pleno conhecimento da
localização da cadeia
de bebuns: North Avenue
21 – um endereço que soava tão
pomposo.
nós tínhamos, cada um, uma cadeira ao
lado da cama,
e cada cadeira continha cinzeiro,
cigarros e
vinho.
eles vieram com muito
ruído:
“esta é a porta
certa?”
“é”, ele disse,
“413”.
um deles bateu com
a ponta de seu
cassetete:
“DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE L.A.!
ABRAM AÍ!”
nós não
abrimos aí.
então ambos bateram com
seus cassetetes:
“ABRAM! ABRAM
AÍ!”
agora todos os hóspedes estavam
acordados com certeza.
“vamos lá, abram”, um deles
falou com mais calma, “nós só queremos
conversar um pouco, nada mais...”
“nada mais”, disse o outro,
“a gente pode até tomar uma bebidinha
com vocês...”
30-40 anos atrás
North Avenue 21 era um lugar terrível,
40 ou 50 homens dormiam no mesmo piso
e havia um banheiro no qual ninguém ousava
excretar.
“sabemos que vocês são gente boa, nós só
queremos conhecer vocês...”,
um deles disse.
“é”, disse o outro.
então os ouvimos
sussurrando.
não os ouvimos indo
embora.
não tínhamos certeza quanto à
partida dos dois.
“puta que o pariu”, Jane perguntou,
“você acha que eles
foram embora?”
“shhhh...”,
eu chiei.
ficamos ali sentados no escuro
bebericando nosso
vinho.
não havia nada a fazer
exceto observar dois letreiros de neon
através da janela ao
leste
um ficava perto da biblioteca
e dizia
em vermelho:
JESUS SALVA.
o outro letreiro era mais
interessante:
era um enorme pássaro vermelho
que batia suas asas
sete vezes
e então um letreiro se acendia
abaixo
anunciando
SIGNAL GASOLINE.
era uma vida tão boa
quanto conseguíamos
bancar.
bebendo vinho barato desde o meio-dia e eu andava de pés descalços
pelos tapetes, recolhendo cacos de vidro
(à luz do dia você conseguia vê-los embaixo da pele,
protuberâncias azuis abrindo caminho rumo ao coração) e eu andava usando
meus calções rasgados, colhões feiosos balançando pra fora, minha retorcida e
rasgada camisa de baixo pontilhada por buracos de cigarro de diversos
tamanhos. parei diante de Jane, que estava sentada em sua cadeira
bêbada.
então gritei para ela:
“SOU UM GÊNIO E NINGUÉM SABE DISSO FORA
EU!”
ela sacudiu a cabeça, riu com escárnio e balbuciou por entre os
lábios:
“caralho! você é um idiota
de merda!”
eu andei à espreita pelo piso, dessa vez recolhendo um
fragmento de vidro bem maior do que o normal, e estiquei a mão
e o arranquei: um adorável e grande naco em forma de lança, pingando
com o meu sangue, eu o arremessei no espaço, me virei e fuzilei Jane
com os olhos:
“você não sabe nada, sua
puta!”
“VÁ SE FODER!”, ela
gritou.
então o telefone tocou e eu atendi e
gritei: “SOU UM GÊNIO E NINGUÉM SABE DISSO FORA
EU!”
era o recepcionista: “Sr. Chinaski, eu lhe adverti
diversas vezes, o senhor não está deixando nossos
hóspedes dormirem...”
“HÓSPEDES?”, eu ri, “VOCÊ QUER DIZER ESSES BEBUNS
DE MERDA?”
então Jane apareceu e agarrou o telefone e
gritou: “EU SOU UM MALDITO GÊNIO TAMBÉM E SOU A
ÚNICA PUTA QUE SABE DISSO!”
e ela desligou.
então fui até a porta e
prendi a corrente.
então Jane e eu empurramos o sofá na
frente da porta
desligamos as luzes
e ficamos sentados na cama
esperando por eles,
tínhamos pleno conhecimento da
localização da cadeia
de bebuns: North Avenue
21 – um endereço que soava tão
pomposo.
nós tínhamos, cada um, uma cadeira ao
lado da cama,
e cada cadeira continha cinzeiro,
cigarros e
vinho.
eles vieram com muito
ruído:
“esta é a porta
certa?”
“é”, ele disse,
“413”.
um deles bateu com
a ponta de seu
cassetete:
“DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE L.A.!
ABRAM AÍ!”
nós não
abrimos aí.
então ambos bateram com
seus cassetetes:
“ABRAM! ABRAM
AÍ!”
agora todos os hóspedes estavam
acordados com certeza.
“vamos lá, abram”, um deles
falou com mais calma, “nós só queremos
conversar um pouco, nada mais...”
“nada mais”, disse o outro,
“a gente pode até tomar uma bebidinha
com vocês...”
30-40 anos atrás
North Avenue 21 era um lugar terrível,
40 ou 50 homens dormiam no mesmo piso
e havia um banheiro no qual ninguém ousava
excretar.
“sabemos que vocês são gente boa, nós só
queremos conhecer vocês...”,
um deles disse.
“é”, disse o outro.
então os ouvimos
sussurrando.
não os ouvimos indo
embora.
não tínhamos certeza quanto à
partida dos dois.
“puta que o pariu”, Jane perguntou,
“você acha que eles
foram embora?”
“shhhh...”,
eu chiei.
ficamos ali sentados no escuro
bebericando nosso
vinho.
não havia nada a fazer
exceto observar dois letreiros de neon
através da janela ao
leste
um ficava perto da biblioteca
e dizia
em vermelho:
JESUS SALVA.
o outro letreiro era mais
interessante:
era um enorme pássaro vermelho
que batia suas asas
sete vezes
e então um letreiro se acendia
abaixo
anunciando
SIGNAL GASOLINE.
era uma vida tão boa
quanto conseguíamos
bancar.
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