Gerardo Mello Mourão

Gerardo Mello Mourão

1917-01-08 Ipueiras
2007-03-09 Rio de Janeiro
46451
1
3


Prémios e Movimentos

Jabuti 1999Jabuti 2003

Alguns Poemas

Da balança das águas venho de joelhos

Da balança das águas venho de joelhos
— aeroporto de Caracas —
ego sacerdos — vou me preparando para os ritos:
boa noite, Bolivar,
boa noite, Simón, — Simón Rodriguez
brincando de roda entre as crianças
e duty free e Hilton e Tropical Hotel — e vou
me preparando para
a tática dos ritos o luxo das rubricas litúrgicas
pois à volta das águas
dançam em roda as ruas degoladas e algumas pessoas
constroem o incidente da viagem — indo ou vindo
ou não seguindo mais — e a cabeça
de Balboa busca debalde
talvez os Hiperbóreos — decerto
uma terra e um mar e a terra
e o mar já não são mais entre o canal e a selva
do que o gosto do sal em sua língua
ao sol do Panamá:
resta o gosto do sal na boca
de Balboa e Malpartida e os outros
e vós sois pescadores de peixe e terras e homens
o sal da terra
quodsi sal evanuerit in quo salietur?

Por isso o olfato o paladar os olhos
e um aroma e um sabor e um rastro:
e é dado o signo
e habitamos o semáforo — por isso agora
boa noite, Guatemala — e ali
poderiam pescar-me o coração no rio
de teus cabelos, Antonieta Ovalle, o coração
neste bosque
neste bosque moram terras
mora a terra que roubou meu coração
e repito as pessoas e os lugares que encontro
e aprendi uns seios verdes em Honduras
e ao sol de Dirianbo amadureciam sobre a Nicarágua
as ancas magníficas — pois falo da viagem,
suas pousadas, o itinerário
pedestre
eqüestre
sigo os sinais do trânsito — passeio
passeia Pilar Morelos seu passeio de poldra
pela Avenida Juarez
e alí emprenharei a neta
de Hernán Cortez e a bisneta
de Cuauhtémoc em um leito de rosas
e sou — ego poeta
o guia do turismo o trotador do mundo
no avião da Braniff onde Doris
e no aeroporto de San Antonio — Texas
e em Dallas, Texas, os soldados
negros e ruivos
vão me encontrar erecto e brônzeo —
pois preparo a estratégia da morte
as manobras da vida
o estratagema da beleza
os ritos de Stepterion

— "Na bagagem? "
um coração embrulhado
numa carta de amor
e dois braços de abraçar
e dois lábios de beijar
e Abdias entoado
à canela e ao cravo
e às margaridas de Iemanjá do Nascimento.

E agora
a serpente no ninho de meus olhos
já sou eu mesmo a minha própria bússola
meu próprio ardil
e de tua rosa
brota o vento por onde
chega o chegador à laranja de ouro — chega
ao bote da serpente à seta desferida
chega ao bosque ao mármore
à mão da tecelã e ao fio e à flauta
e ao silêncio e ao canto
e ao beija-flor e ao assobio
e à salamandra e à estrela e ao encontro
da flecha e da serpente e à luz
à luz
Eleu
Eleu
Eleu
theria

Apó
Apol
Apolon
Fototrephos Fotophagos Fotopaidos Febo Apolo
puxam-te o carro de fogo
os capricórnios de fogo
e venho nele ao teu banquete
onde as nove meninas
em conchas de labaredas
servem lagostas de fogo
e verdes folhas de flamas
ego poeta — o diábolos sonoro
conservado em chamas — sou
minha própria fronteira
e tu, amor

a norte a sul
tu nascente e poente
nas lindes crepitantes:
e diz o portulano e ladro sua escrita
pois cartógrafo sou desde o país do Ceará e Mel Redondo
limita-se Ipueiras ao norte pelas
cabras monteses e os montes da Aquitânia
Delfos ao sul por Villaguay e Buenos Aires
e a leste e oeste a serra dos Mourões serranos o Amazonas
o oráculo a nordeste e segue
a linha da Mantiqueira por
Congonhas do Campo e Conceição,
Conceição, José, do Mato Dentro — a sudoeste
as coxas de Afrodite e o mar da Jônia
e os limites por baixo são o chão de Eleusis
e os limites por cima o Pentestrelo
do Cruzeiro do Sul e os Hiperbóreos
e noutras pétalas da rosa-dos-ventos
o mar de La Serena o mar
das Alagoas o mar
da Jônia as ondas
dos cabelos de Artemis
e o ananás e a romã e o buriti a noroeste:
pois a sopro de flauta fui riscando as divisas
num mapa de safiras e limões
e cravos macerados ao sereno
da madrugada de um canto

e viajar viajando
o lombo de teus chãos e tuas águas
é meu destino
chegar chegando:

nome —
profissão —
destino —

o destino —
da cifra de meu código e meus semáforos
oriundo.

Barão publicou na Revista do Instituto Histórico

Barão publicou na Revista do Instituto Histórico as
Memórias de Alexandre Mourão:
muito sangue e muito amor nessa história
e as velhas da família contam com ódio e orgulho a devastação das terras dos Mourões
pela tropa imperial
Alexandre Mourão salvou-se atravessando a nado o rio Parnaíba com um patacão
de dois mil réis na boca
e o ódio e o orgulho e o sangue e o amor e os patacões de prata são
a herança de meus filhos
e a minha tarefa é atravessar o rio a nado
com o ódio o orgulho o sangue o amor e os patacões de prata
na boca
e nunca perecer na travessia
e saltar na terra estrangeira
a água de meus rios escorrendo dos cabelos
e o barro de minha terra no couro das alpercatas e do peito.

Francisco, neto de Tobias, tinha os cabelos de ouro
e arrancava comigo no quintal as penas dos pavões azuis
e caiu da grande cajazeira sobre a lança do gradil
e houve um jorro de sangue em sua coxa
o sangue pintou a cauda azul dos pavões
o sangue dos Mourões se derrama no país dos Mourões há quatro séculos
o velho Tobias derramou o seu nos dentes de um jacaré do Amazonas
também o derramam das coxas as raparigas fecundas

temos cobrado largamente o nosso sangue
e do alimento da bravura o nosso coração
faz a sua pureza e a sua força
e na festa rústica à beira da fogueira
nossos adolescentes ensinavam os meninos
a cantarem na viola em mesmo tom
o amor e a morte. E as primas prometiam
o seio e o ventre
às estrelas de agosto
e à lua do Equador.

A linha do Equador passa aqui perto
e o signo de Capricórnio já me envolve
no tempo e no espaço e envolta nele
ao luar do trópico
— ó noite de Crateús! —
veio Elisa banhada no açude
veio Carmen banhada nos jasmins da noite
vieram as primas de vestido encarnado e veio
ao coração do infante o vaticínio
do rosto que trarias
o anúncio de teus olhos e o desejo
dos quadris adivinhados
noutras noites mais longe possuídos.

A linha do Equador passa aqui perto
e de seu fio de fogo o meu novelo
há de levar ao coração varado do Minotauro
e dali devolver a alegria
dos rapares e raparigas de Atenas
a linha do Equador passa aqui perto
e em portulanos
de Gênova e de Sagres fui sonhado:
Vicente Yañez Pínzón e Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral
e Bartolomeu Perestrello e o Infante Dom Henrique e Isabel, a Católica,
me caçavam no mar entre hipocampos.

"Se o Amor servir de guia, terás êxito"
disse a Teseu o oráculo de Delfos.

De tuas mãos, amor, recebo o novelo de fogo da linha do Equador
e vou e volto e devolvo aos conquistadores rijo e novo
o pênis que por mim se murchara no ventre
da índia Iracema da tribo tabajara.

Branca filha de Telefasse!
Crescem ao sol numa terra de sol
essas flores de cactus da grinalda
que me dói na cabeça
cresce a fome
das ervas que já vou pastar em tua mão:
sobre as margens do Letes
os plátanos de Creta
aprenderão as palmas sempre verdes
do buriti selvagem.

Não me temas se venho coroado dos cactus e talictres do país dos Mourões
e trago o rosto rude das terras imaturas
sou filho de Calíope e fui eu
que recebi de Apolo na floresta virgem
a cítara de Linos
e aprendi a tanger a cítara de Linos
e fui o primeiro a juntar mais duas cordas à cítara de Linos
e de volta do país moreno
sou eu que vou introduzir de novo em tua casa
a expiação dos crimes, o culto de Dionísios, de Hécate Ctônia
e os outros mistérios órficos.

Todas as noivas mortas voltarão
quando eu tanger a lira no Tenaro
e condoer os capitães do inferno.

Não, eu não te perdi; ao teu encalço
viajei o inferno e demorei no inferno
e ainda espedaçado nas orgias trácias
as águas do rio a arrastar-me a cabeça cortada
os lábios à torrente clamariam
teu nome — e tu serias no meu canto
e touro e cisne e degolado Orfeu

a flor do talictres tem o cheiro da semente humana
em meu lombo em minha asa em minha lira em minha toledana
celebrarás, ó bem amada,
o teu guerreiro e o teu cantor.

Quem de vocês matou o uruguaio

"Quem de vocês matou o uruguaio?"
os soldados não sabiam
"Quero saber imediatamente quem matou o uruguaio" —
— "Saberá Vossa Senhoria que fui eu, Benedito Antônio da Silva, natural do Crato,
número 39 da 2.a Companhia do 12, praça de 1851, ferido na batalha de Caseros".
"E por que matou?"
— "Vossa Mercê, que é da raça dos Mourões, não há de ignorar que eu também
sou morador daqueles pés-de-serra e por isto matei o gringo; pois saiba
Vossa Mercê que estou sem matar desde a guerra do Rosas e o Senhor seu pai me
encomendou três dúzias. Tá completo".
Sob a pala da barretina agaloada
o General de rosto sereno e triste
sorriu sobre o pátio do quartel de Bastarrica
e mandou os soldados passearem tocando
charanga pelas ruas de Montevidéu.

O Marquês de Herval era galante:
Ordem do Dia sobre a batalha de Tuiuti:
— é de louvar o bizarro comportamento do General Sampaio, da raça dos Mourões —
o primeiro cavalo fora derrubado à bala, o segundo também e o terceiro e o quarto
varados à baioneta
combatia a pé
"Guarde seu cavalo, alferes, eu sou da Infantaria"
"Corra à barraca de Osório e diga que estou perdendo muito sangue, é conveniente
substituir-me, fui ferido duas vezes"
continência do Alferes, mão de súbito no peito:
"e esta é a terceira".

"Maté el general brasilero!"
ainda não — e o paraguaio engoliu com chumbo a última sílaba
na mão o sangue da última tapa de carícia sobre a cabeça de seu alazão
espedaçada à bala
quando outra bala decepa a folha da espada
"soldado, passe-me sua espada"
um olhar para o alferes fanfarrão:
tomara a bandeira do porta-estandarte e no meio do mar de sangue e fumaça gritava
"viva o General Sampaio!"
e nos braços dos guerreiros que rangiam os dentes e choravam
e banhado no sangue dos cavalos fortes como o seu
e banhado em seu sangue o sangue
da raça dos Mourões:
"não corte minha perna, doutor,
um general morto é bizarro ainda
um general coxo é feio".
E belo e triste em seu caixão de zinco
os guerreiros da Argentina e do Uruguai lhe hastearam em funeral as bandeiras do Prata
e sobre o chão do país de Godo, Raul e Efran
vou lavrando a escritura deste canto
e ali também é o país dos Mourões e nosso primo Martin Fierro e Osório,
Marquês de Herval, são testemunhas
Antônio de Sampaio, filho do ferreiro de Monte-Mor-o-Velho,
da estirpe de Francisco e Manuel,
da raça dos Mourões
era um general bizarro.

As exéquias na Corte custaram um conto e quatrocentos
o Maestro Arcângelo Fiorito regeu de graça o coro e a orquestra com
primeiros e segundos violinos, violas, violoncelos, fagotes e oboés e trompas e pistons
e Sua Majestade o Imperador que lhe trouxera o corpo de Buenos Aires
ao meio-dia em ponto na Ilha do Bom Jesus entre os inválidos da Pátria
curva a cabeça em reverência
ao filho dos Mourões:
— "Só no Maranhão foram quarenta e seis combates por Vossa Majestade"
sua Divisão se chamava Encouraçada
bateu o paraguaio a ferro-frio nas sangas dos banhados
encouraçada à dureza de seu olhar a soldadesca
não conhecia o medo
aquele olhar endurecido
ao ódio dos Mourões — seu amor e seu ódio —
e ao seu vigor ergueram-se e deitaram-se
para a vida e para a morte
as coisas e os logares e as pessoas.

"Alferes, a morte é bizarra
guarde este botão de minha farda de lembrança
e cante na hora aquela moda que eu cantei no Tamboril à janela de Maria Veras.
Aquela moda..."

E ao meu canto e à moda antiga
que cantavam os machos à janela das fêmeas
no país dos Mourões
vou lavrando a escritura destas terras que são minhas
até além do Prata e além dos Andes
das Ibiturunas azuis
e um dia
no cartório de Ipueiras, Penedo ou Arapiraca
te farei a doação dessas léguas de sesmaria
do Passo de Camaragibe a Villaguay,
de Crateús, Ipu e São Gonçalo dos Mourões
até Buenos Aires e Santiago do Chile e Guayaquil e Bogotá
nos termos da doação de minha avó Dona Ana Feitosa a Santo Anastácio e
Dona Úrsula Mourão a São Gonçalo
e, te farei sobre essas braças de chão
um templo e uma cama de cedro sob o céu de Deus
à sombra dos plátanos e das carnaubeiras para onde
deitada no meu lombo vens chegando.

No caminho de Aretusa

No caminho de Aretusa
Hellas
elas
me iniciaram na língua e no alfabeto da língua:
sabem agora os engenheiros e os empreiteiros:
fui eu o ausente na torre de Babel
guardo a letra o dissílabo o fonema
e as chaves da sintaxe:
— enquanto
os povos se desentendiam em torno
da areia e da argamassa
e esqueciam o verbo e o advérbio
nosotros recusamos
a vã alvenaria
ficamos de serviço, Efraín, com as nove meninas
trabalhando na boca as promessas de amor
em que sois mestre, Apolo:
na sesmaria de violetas e girassóis por onde
o ditongo maiêutico e a vogal eólia
nominam nome e nume
a Euterpe e às outras
ao gavião e à pomba e à brisa
e ao pêssego e à mulher
e ao arco à flecha ao trigo ao vinho à abelha à fava ao favo
e Artemis e Afrodite
e Eleu
theria.

Quem se esqueceu pode lembrar-se
e a semente da letra em sua leiva Linos
faz florescer em Lambda e lírio
— "Do you speak english"?
— "No, darling",
não estive na torre de Babel
lambda loquor et lillia convallium
e entendo a água o ar o fogo o azul
e Lúcia e Laura e Léa
e Luciléa e Lauriléa
e Lucilauriléa
e os cavalos e as éguas relinchando
na madrugada de Pajeú das Flores
e o motim de amor
dos gatos no telhado de Iolanda

Não estive em Babel — estive
em Delfos e em Pentecostes
e a Musa e a Virgem-mãe
Mariamusa — Maria Leto Letícia
repartiram comigo a língua de fogo
e só ela conheço e tenho
o dom da língua
e me entendem o hebreu e o gentío
e seus dialetos voltam
à fonte e à flor
et fons et flos
dos tempos aurorais e a silaba da aurora
posou-me sobre a sílaba dos lábios
beijou-me a boca e neste beijo
lateja o paladar de um deus
e os outros deuses
massacram meu coração e as moiras
me plantam a demência na cabeça:
invejado dos deuses
"invejado a invejar os invejosos" — João —
testemunho a beleza e canto
a possessão de seu corpo
e adúltero da adúltera
choro a noite infiel
Afrodite Helena Eleu
theria
trina teu nome trino
pelas montanhas
do país de Apoio onde pisaste
as amoras maduras

Cobrem- me o palitó as borboletas e as libélulas
e aos lábios sábios de teu nome os beija-flores
chegam e digo
Mel
po
len
me
ne
e é
de mel
a nossa lua
desde

neiro
a janeiro
es
cravo
desse tufo de cravinas
na virilha em flor por onde a sílaba
da rosa pestaneja a pálpebra
e balbucio
o cio
verbo gerúndio e gerundivo
das intatas auroras
videndus videnda videndum videndi
video videmus videtur videbam
visionem
visa visione
ablativo absoluto
declino a Musa
Musae
Musaram
Musis
e o Musageta.

Alexandre cavalga

Alexandre cavalga
e às vezes é
a bússola amorosa dos anjos
e ao aroma dos jasmineiros o aroma
da nuca de Carmen, do botão dos seios
de Margarida e de Francisca
e às vezes é a bússola do ódio
e dia e noite e noite e dia através
noites e dias
Alexandre cavalga:
e os cavalos cansados param mortos
e o coração cavalga a fúria
e seu rastro se chama vingança.

Vicente Lopes de Negreiros
a raça de André Vidal de Negreiros
matara de tocaia a Manuel, irmão de Alexandre Mourão
e à sombra de uma palmeira da Serra dos Cocos
tinha dezesseis anos
o corpo ensangüentado do adolescente moreno
era belo e terrível e seus olhos
vidrados
pediam vingança ao irmão.

Vicente de Negreiros, chamado Vicente da Caminhadeira
furou o mundo e Alexandre
Mourão no rastro dele
andou duas mil léguas e o Maranhão
e o Piauí e o Ceará e o Rio Grande e Pernambueo e a Paraíba
celebraraxn o tropel de seu cavalo
o furor de sua vendetta
e o trom de seu bacamarte de boca de sino
e os sinos dobraram por duzentos mortos
e os soldados de Xenofonte — Anábasis — não podiam dormir
por causa da tristeza e da saudade

"ouvindo o tiro, nós que estávamos na luta, corremos e achamos nosso irmão morto
e não pudemos mais dormir
ali o deixamos e
fizemos todas as diligências
e não foi possível achar mais o assassino
nesta mesma noite segui em procura
e depois de sete dias e sete noites de minuciosa diligência
informaram estaria sob a proteção do Tenente Coronel João da Costa Alecrim e do tio
Vigário Manuel Pacheco Pimentel, em Vila Nova
risquei o cavalo na porta do Vigário
e de sua alpendrada trinta e oito dias de viagem num cavalo bralhador
até Pedras de Fogo — extremas da Paraíba e Pernambuco
de lá noventa dias a cavalo ao Piauí
e em noventa noites o sertão
espreitado palmo a palmo conheceu
o ódio sábio e inútil de meus olhos:
terral, aracati, nordeste, graviúna, todos
os ventos do país dos Mourões a crina
de meu cavalo conheceu.

O Coronel Diogo Salles comprara um sítio para situar-se no Maranhão aonde se mudara
por certos desgostos:
Coronel Diogo, filho de meu parente Capitão Xavier, a
quem assisti em seus desgostos,
é possível esteja o inimigo em sua Fazenda do Serrote?
— Nem no Serrote do Piauí nem no Serrote do Ceará
e se acaso meu pai o acolheu
não o há de matar na rede de hóspede
mas vai pô-lo a caminho quando saiba
quem é Vicente da Caminhadeira.

— Não, meu parente, não se apeou à minha porta.
E na Fazenda Santa Cruz, a caminho de Quixeramobim,
dois de seus cabras se entregaram à morte de joelhos aos pés de minha
madrinha Francisca
e ela mandou espreitar a casa e as fazendas do Capitão-Mor Lessa
e em cinco dias e cinco noites de espreita — nada;
passei a Crateús e por suspeita
voltei ao Serrote do Capitão Salles
passei a noite ao pé da casa espreitando os movimentos dela
e entrei no alpendre com o primeiro sol
fui honrado pelo Capitão, comi sua coalhada, o requeijão e a tapioca
descansei em rede cheirando a capim santo
segurei-me com o velho ele não proteger Vicente Lopes
que enquanto eu vivesse, meu serviço era procurá-lo onde quer que soubesse dele.

Talvez o bandido esteja na casa do sogro em Poço dAgua:
foram vinte e nove dias até Poço dAgua, Piauí,
com os cavalos, os vaqueiros e a matutageiú de meu irmão Eufrosino:
tomei o velho de improviso e nada achei
apertei-o pelo genro, descobriu que há seis dias
dali tinha partido a chamado do Alecrim
que saía tal dia de muda para Pedras de Fogo, Paraíba,
voltei, segui ao Alecrim

antes de chegar a Vila Nova soube que estava no Serrote do velho Salles
ali mesmo fui procurá-los
Vicente da Caminhadeira estava fora da casa invadida por minha fúria
o Coronel Alecrim escapou num paiol de algodão, onde perdeu o nariz que era suposto:
nada fiz e fico contando com mais dois inimigos fortes.

Voltei para Pitombeiras, fazenda de meu irmão Eufrosino, sete léguas,
ia despachar um positivo a Pedras de Fogo
chega uma carta de mulher, inimiga de Vicente Lopes:
— "quer notícias certas, me apareça — "
apareço
apresentou-se um homem
vinha de Nossa Senhora do Ó e dava certeza de estar Vicente Lopes
na Vila de Igarassu, Pernambuco
voltei, preparei-me e segui para Igarassu
pois enquanto eu vivesse, meu serviço era procurá-lo onde quer que soubesse dele

E depois de duzentas e tantas léguas de viagem
cheguei a Nossa Senhora do Ó
tomei a casa de meu parente, Capitão André Cursino Cavalcanti
e aconselhou-me:
devia seguir para o Engenho Monjope, de nosso parente, Capitão-Mor João
Cavalcanti de Albuquerque
o senhor mais rico e forte daquelas terras
contei-lhe meu destino
não quis mais que eu saísse:
seus homens é que vão a Igarassu para a missão
e um dos meus para reconhecer:

Vicente Lopes estava tocando viola num forrobodó
— "é aquele":
os homens de meu parente dão duas voltas no salão e o tocador de viola cai
com o peito varado e a bala ainda traspassou o coração de uma rapariga da festa:

na sala grande do Engenho Monjope
o Capitão-Mor abriu a garrafa de vinho do Porto
bebemos em honra de meu defunto irmão
e a Sinhá acendeu no oratório uma vela
à sua alma desagravada.

"Capitão, antes de voltar, quero ir eu mesmo a Igarassu
enfiar o dedo e o cano de minha garrucha no buraco da bala de Vicente Lopes de
Negreiros"
chamou de novo os homens que juraram:
"vá em paz, meu parente, o morto é morto e se ressuscitar em qualquer parte,
de Pedras de Fogo para cá, terras de Pernambuco,
deixará de ser vivo:
vá em paz, os meus homens não mentem"

E depois de onze meses
considerei
descansar meu irmão na sepultura e minha
fadiga em minha casa:
meu pai deu provimento.

Naquele tempo
preparava Eufrosino uma cavalaria para Vila dos Brejos
e Antônio Mourão urna outra
para ir a Caxias, Maranhão:
lá podia comprar terras de uma herdeira de meu avô
anexas às de meu pai e eu podia
escolher um sítio e situar-me entre os irmãos.

Vicente Lopes havia passado a viola
e dançava na sala
o outro tocador morreu por ele
e enquanto eu vivesse, meu serviço era procurá-lo, onde quer que soubesse dele,

Soube na Boa Esperança e não estava
soube em Uruburetama
meus homens andaram vinte e oito léguas desde Vila Nova
e meu pai recebeu uma carta:
"Menezes e Vicente da Caminhadeira tiveram notícia de que
Antônio e Alexandre Mourão
atravessaram o rio Parnaíba com trinta e um cabras armados, rumo a Poço dAgua"
mandei quatorze homens à Capela dos Humildes
um tiro empregou a bala na carne de meu ombro
a luta a ferro frio durou das três às seis da tarde
e o sangue dos irmãos e dos cabras de Vicente Lopes empapara o curral
e ele fugira
e enquanto eu vivesse, meu serviço era procurá-lo, onde quer soubesse dele

nem o cadáver de seu irmão entre os garrotes assombrados e as varejeiras
lambendo sangue
valia o corpo airoso de Manuel
Segui para Capela, Residência, Pequizeiro e Boa Esperança
esquadrinhava sozinho as grotas da serra e um morador me advertiu a medo:
— "meu Senhor, não siga por este caminho, que os logares estão semeados de
Mourões"

e a semente do a

Um dia as orquídeas se abriram sobre

Um dia as orquídeas se abriram sobre
olhos oblíquos de Magdalena
antes da âncora da dor numa angra verde
e antes
de partir-se teu rosto da romã
antes, vadio com seu cão e sua flauta
pelos montes o poeta
vadiava e farejava as garrafas de whisky,
a virilha das francesas e eram
baralhos de bacará e roletas de ouro
— a bolinha de marfim
cai no sete
cai no zero
cai no preto
no vermelho
a bolinha de marfim
cai não cai
onde é que cai?

Valencius Wurch, echt deutsch
barão da Pomerânia usava polainas e chapéu
gelô e seu nariz
usava um olho cego de um lado e de outro
um monóculo inútil
e era a glória das namoradas da Rua do Senado

e Monsenhor Manuel Gomes, prelado doméstico
do Papa,
pastoreava o bairro de São Cristóvão
com seu cajado do país da Paraíba
e Manuel Machado, depois doutor em leis, depois
capitão de tropas expedicionárias e herói da Pátria
guardou no coração um estilhaço de granada alemã
e com o belo cravo de sangue de seu peito
visitou a morte num campo da Itália
e tornou, virgem e alegre, à Rua Mem de Sá
e casto ao medo e intemperante ao perigo
o filho dos Mourões
Mourão pastava
adolescentes, cônegos, roletas e janelas de trem
de lira a tiracolo e essas
são notícias da Grécia
do caminho da Grécia
onde às vezes perguntava o sol ao quarto dalva
e Dalva
Dalva Silveira navegava o sargaço nas virilhas
aloeste de seus promontórios trêmulos
dei toda as velas.

Sabia de naus francesas por ali com muita
artilharia e pólvora e abarrotadas de brasil:
fiz a vela no bordo do sul
fui quatro relógios
e ao meio-dia era na esteira da nau
duas léguas dela e não podia cobrar terra
cheguei à nau e primeiro que lhe tirasse
me tirou dois tiros:
antes que fosse noite lhe tirei
três tiros de camelo e três vezes
toda a artilharia: e de noite carregou
tanto o vento lessueste que não pude jogar
senão artelheria meúda — e com ele
pelejamos toda a noite:
em rompendo a alva
mandei um marinheiro ver:
via uma vela — não divisava
se era latina se redonda.

E que me importa a mim que veja ou que não veja
se cumpriu toda
a cerimônia de ver.

E essas são notícias da Grécia
do caminho da Grécia
e o valete bicéfalo tangia
ora a espada ora a lira
ora a esquina ora o mar — e Nilo
Nilo José da Costa achara no subúrbio de
Campo Grande
a lua — e achara seu verdadeiro nome e era
Marcus Sandoval e de suas mãos
antes pendiam o fio da navalha e a tesoura
sábia — e delas
nunca mais rolaram cabelos de macho no salão
de barbeiro rolaram
as mechas da lua fêmea
— lua — disse o vento —
mostra-me a graça feminina
das tuas bailarinas
e ao sopro do luar sussurrando
ao ouvido das árvores quietas
todas as frondes num deslumbramento
bailavam aos levíssimos do vento
o bailado das sombras pelo chão
e Marcus Sandoval penou degredo
na Ilha de Fernando Noronha
Fernam de Loronha a nornordeste
por ouvir o filho dos Mourões
e por tanger espada em vez de cítara
e a morte se hospedou em seus pulmões e dorme
no cemitério de Campo Grande e nunca mais
um soneto foi pedido nos botequins do subúrbio
e nunca mais
o silêncio da noite doeu na serenata
onde andará o violão de José Carlos
e a rouca voz de Orlando Carneiro amigo íntimo
de Jesus Cristo
escande agora em vez da ode os códigos da lei
Meritíssimo Juiz da Vara Cível
trauteia agora a dodecafônica demanda
cite-se o réu — e testemunha
debaixo de vara sou citado
e desde as 7 horas do dia, Pero Lopes, até o sol
posto
pelejamos sempre: a nau me deu dentro
na caravela trinta e dois tiros
quebrou-me muitos aparelhos e rompeu-me
as velas todas:
estando eu assim com a nau tomada chegou
o Capitão Irmão com os outros navios e Francisco
Francisco da Gama Lima
servia o mel e o pão o coração fraterno
de José Ribas e fazia o pelo sinal da santa cruz
com a mesma lágrima e o mesmo mel
junto ao cadáver de Anísio Teixeira
onde era o pranto da filha derelicta.

E vinha a nau do Capitão com Pedro Maranduba
carregado de brasil
trazia muita artelheria e outra muita munição
de guerra
por lhes faltar pólvora se deram —
na nau não demos mais que uma bombarda
com um pedreiro ao lume dágua:
com a artelheria meúda lhe ferimos seis homens
na caravela me não mataram nem feriram
nenhum homem — de que
dei muitas graças ao Senhor Deus.

Noroeste e sulsueste se corria:
ao longo da nau eram tudo barreiras vermelhas
vieram da terra a nado às naus
índios a perguntar-nos
se queríamos Brasil:
carregado de Brasil
quero Brasil e as naus
carregadas de Brasil
se preciso, com muita artilharia e bombarda e ainda
abalroar as naus estrangeiras quebrar
a espada aos coronéis piratas e passá-los
a fio de espada boa e partir
a caminho da Grécia em nossa caravela
abarrotada de Brasil com Pero Lopes de Souza
e de seus bagos venho,
com grande lastro de Brasil.

Ao sair da lua abonançou-se o vento
e era o quarto da prima
formosa
no mar de seus cabelos Dora
Maria Mourão — Dora Correia Lima
no quarto da modorra no Leblon
era meio-dia e parecia noite
e o relâmpago de ouro de teus olhos
cortava a tempestade dos cabelos
e o mar tão grosso me entrava
por todas as partes com
o jogar da nau de ventre liso
Dora afagada à brisa ao faro das narinas:
houve vista de montes
e era mui alta a maravilha
em teu monte de relva
e hoje me faz dela
dez léguas e dez línguas noroleste
a costa se corre nornordeste e susudeste — Dora —
e toda longa ao longo do mar
no sertão serras mui altas e formosas
haverá delas ao mar dez léguas — e a lugares,
menos
e haveria às altas e formosas colinas tuas dez
beijos aos teus seios
e a lugares, menos,
e à noite veio o piloto-mor no esquife e súbito
são dez mil léguas de memória a esses seios
e a lugares, mais.

Perfundo de cinqüenta braças dárea limpa
o cabo de pareel que jaz ao mar
da banda sudoeste aloeste e a tuas partes
loessudoeste:
quando fui fora do parcel
eram serras mui altas sudoeste
sob a cintura túrgidas redondas
à mercê de tomar prumo
e com Mercedes Martins a prumo
vou mordendo a maçã em labirinto e mar
a caminho da Grécia onde esperavam entre
orquídeas
olhos oblíquos de Magdalena.

Violava as borboletas e as violetas

Violava as borboletas e as violetas
lhe floresciam onde
as abelhas cercavam a sagrada colmeia:
Laura celebrava os ritos
e as outras concelebravam — pois
as bochechas cheias de esperma
Salústia e Beatriz borrifavam as alfaias
— manejava Mônica o estrangulado príncipe
com as sementes leitosas aspergindo
pupila umbigo e seio
orvalhavam gotas de opalina as axilas peludas
mas Laura
celebrava os ritos:
ao clarão do falus
ao mergulho litúrgico
celebrava os ritos
na rua Paula Freitas
sacrifício de lírios e verbenas
nas tardes pluviais
serviço de Perséfone e Afrodite
esmagada na relva a boca
na boca a relva:
o macho à fêmea a fêmea ao macho
imolados à súbita Ginandra

vinham cantando à primeira semente
de Apolo Ginandreu
— pois Laura
celebrava os ritos
nos quadris em flor

E deitado no mel das brisas flamejantes
ego poeta começo o canto e digo:
— "já nada mais existe, Apolo, e apenas somos
na primavera do tempo
quadris em flor" — e Laura
celebrava os ritos.

Quando
as borboletas violavam as violetas
inauguravam os áugures o augúrio
e as palavras pereciam no lábio
esquecidas de si mesmas
a sós contigo, Apolo,
e com a ninfa da vida e com a ninfa da morte
murmurei o sopro da inefável canção:
— pois somos celebrados enquanto
Laura celebra os ritos.

Mestre de cerimônias o poeta oficia
a cerimônia do silêncio:
o canto é seu ofício — mas
o imolador se imola enquanto
Laura celebra os ritos

Um a um vêm os deuses chegando
ao banquete da própria morte
e da ressurreição — pois Laura
moribunda e nascitura Laura
agoniza a agonia de nascer de novo
e ao ritmo e à tempestade de seu corpo o poeta
celebra os ritos —
e ali
começa a nossa coisa cosa nostra, Apolo,
de nossa raça:
ego poeta sacerdote e vítima
celebrado celebro a celebrante
e o espaço
perde a sua medida
e o tempo
perde a sua duração
pois Laura
celebra os ritos:
brota de minha cabeça o cometa
de seus cabelos e sob
a torrente de seus cabelos meus olhos
fitam o príncipe erguer
da maçã de seus oasis de relva
a cabeça da rosa
e ali
a derradeira súplica o suspiro e o pranto
pois Laura
despetalada
recompõe a rosa — Laura
celebra os ritos.

Desaprendi teus outros nomes
e na sabedoria do esquecimento
invento as novas sílabas
— Laura te digo
e à minha língua sábia
de teu próprio humus de tuas folhas te ergues — Laura
celebrando os ritos

Então começa — então termina
Laura
então se perde —então se busca
Laura
e neste chão o meu sepulcro e a minha fonte
de minha morte jorro e piso
minhas pupilas derelictas:
pois no rastro de Apolo
Laura celebra os ritos.

Restauração em Cristo

Não é verdade que a Igreja Católica tenha sido sempre um braço do poder ou das classes dominantes

GERARDO MELLO MOURÃO
O poeta Murilo Mendes, católico de confissão e católico militante, empreendeu ao lado de Jorge de Lima, lá nos anos 30, o movimento que foi um dos momentos mais altos da revolução de nossas letras, sob uma consigna singular: a ``restauração da poesia em Cristo. Projetada ao longo da obra dos dois poetas, a ``restauração apregoada desaguou, afinal, na cantata estupenda da ``Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, que o juízo praticamente unânime da melhor crítica, nacional e estrangeira, considera a obra poética mais importante da literatura brasileira em todos os tempos.
O nome de Murilo Mendes entra aqui não como uma instância poética, mas como uma referência para debater a suposta crise que algumas pobres perdições ideológicas atribuem, no Brasil, ao cristianismo em geral e à Igreja Católica em particular. No século passado, e ainda no primeiro quartel deste século, estava na moda ser anticlerical e atacar a igreja, como lembrava Jorge Luís Borges, referindo-se a seu próprio pai.
Todo mundo contava anedotas de padres corruptos, cheios de mulheres e de filhos, como se isso fosse razão para execrar a igreja. Uma tarde, um sujeito aproximou-se de Murilo Mendes, numa esquina do Rio, para apontar-lhe um padre que saía de um banco, com sua rica batina de seda. Naquele tempo, a Cúria ainda não cometera o equívoco de abolir as vestes talares. O indivíduo agarrou o braço do poeta e gritou-lhe: ``Como é que você tem coragem de ser católico, quando todo mundo sabe que padres como este têm uma amante e guardam uma fortuna nos bancos?
``Pois eu sei mais do que isto, respondeu o poeta. ``Sei até de bispos, cardeais e papas que não tinham apenas uma amante.
Tinham haréns. E não possuíam apenas uma pobre conta de banco. Eram donos de castelos, palácios e empresas. E, para mim, esta é uma das provas mais claras da divindade da igreja, que sobrevive, com seus santos e mártires, há 2.000 anos, apesar de formada e até dirigida às vezes por alguns patifes. No Brasil, grupos anacrônicos estão empenhados, em nossos dias, numa campanha de demolição da Igreja Católica e da fé cristã em geral, embora a grande maioria silenciosa, em todo o Ocidente, continue fiel ao cristianismo. São cerca de 90 os cristãos na Europa e nas Américas.
Pois, apesar disso, recentemente destaca-se, na grande imprensa, como um acontecimento estrondoso, um ``happening do sr.
Leonardo Boff, no Centro Cultural Banco do Brasil, em que aquele frade goliardo e desertor de seu juramento anuncia o fim da Igreja Católica. Pelo menos da igreja como a entendem o papa, a hierarquia e os fiéis.
Os jornais apresentam como um triunfo do frei gaudério, cornaca maior da Teologia da Libertação, a presença de 400 pessoas no auditório do Banco do Brasil, em evento pago com dinheiro meu e do leitor, por meio dos R$ 8 bilhões com que o Banco do Brasil socorreu, recentemente, aquela combalida casa bancária da República. Quatrocentas pessoas é um bom público para o Boff.
Mas o ``bispo Macedo reúne muito mais...
A promessa da fé ao ser humano não é a libertação do salário mínimo e dos juros altos, mas do pecado, do mal que tolda a limpidez da alma. A igreja é uma agência espiritual da fé, não um birô do salário mínimo nem da reforma agrária e outros instrumentos do convívio social, próprios do governo político.
Depositária do testamento de seu fundador, Jesus Cristo, ela não é e nunca foi indiferente às práticas da injustiça e das tiranias. Mas não cabe aos fiéis ou aos sacerdotes o exercício do governo político e econômico. Os que pretendem atribuir à Igreja Católica o monopólio da justiça temporal são partidários de uma teocracia semelhante à dos xiitas, dos ``mullahs e dos aiatolás de Khomeini.
Também não é verdade, como sustenta o Boff do Centro Cultural Banco do Brasil, onde já se montaram comédias mais originais, que a igreja tenha sido sempre um braço do poder ou das classes dominantes. A igreja não nasceu em Medellín, como pensa o Boff.
Nasceu com um menino num curral em Belém de Judá, cresceu numa oficina de carpinteiro e com um grupo de homens e mulheres do povo. A história de sua luta contra os poderosos começa nos tribunais de Anás e Caifás, atravessa os impérios, tem momentos fulgurantes na Idade Média, na Renascença e no Iluminismo. Conhece o martírio e a perseguição na Revolução Francesa e nas repúblicas marxistas. Aqui mesmo, durante a monarquia, dois bispos vão para a cadeia, condenados a trabalhos forçados, por defenderem a liberdade de expressão. É um vilipêndio à memória desses bispos e uma injúria aos mais de 200 padres fuzilados nas revoluções nordestinas a acusação de que a igreja a que pertenciam estava a serviço do estabelecimento político ou econômico. Foram, isso sim, mártires da liberdade e da justiça, na luta pela restauração da sociedade em Cristo, tarefa da igreja, ontem e hoje. Coisa muito diferente da insensatez de instaurar um clero de aiatolás e frades sindicais, que querem tomar o lugar do Vicentinho, do Medeiros e do Canindé.
Gerardo Mello Mourão, 75, poeta e escritor, é membro da Academia Brasileira de Filosofia e do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura. Foi professor de história e cultura da América na Universidade Católica do Chile (1964-67) e correspondente da Folha em Pequim (China) de 1980 a 82.
(in Folha de São Paulo 10/10/96

Leia obra sobre Jorge de Lima

Raul Young, capitão de longo curso, Godo,

Raul Young, capitão de longo curso, Godo,
vai marinhando um barco de cedro por Buenos Aires
ao vento fluvial — e alí
inaugurei o Paraná e o pampa
e os adolescentes se repetiram
no Richmond de Florida onde um dia
o espaço suplicou a forma de teu corpo:
Joana
Joana de Aragão
— te chamamos —
e acenaste um sorriso entre os cristais
e ali ainda agora
estão os teus cabelos governando o vento
pois para sempre
estarás onde estiveste: — viaja
a estrela imóvel
todos os céus
do capitão de longo curso

Trinta anos chorava o poeta a mesma lágrima
no bar do Richmond de Florida:
muitas vezes te encontrei e uma vez
te alongavas entre as mesas do bar
e crescias e recolhias
o bandoneon de teu corpo:
sobre esta mesa embaralho
os naipes do tempo e preciso
de muitos tempos no espaço desta mesa — de muitos
espaços antigos e futuros
para tuas chegadas e partidas

outra vez tua beleza
era uma lança fulgurante
de Belgrano a Corrientes:
janta Leopoldo Marechal com Juan Domingo entre choférs
no restaurante de La Boca:
por la cabeza de los dirigentes
ou
con la cabeza de los dirigentes
salta Güemes
de su tierra salteña
los gauchos degolladores
— e te lembras? —
Carbajal
servia numa terrina de prata
a cabeça sangrenta do capitão
e as taças
espumavam à saúde
vinho ou sangue
pois tênsil é o dia
e trazes o arco tenso e a lira
de cordas tensas e buscar-te
é desferir a flecha e desferir o som
por teus signos teus rastros caminhamos
caçadores da vida caçadores da morte caçadores do amor
e assim se caça a liberdade e assim recolho
em batalhas de amor campos de plumas, dom Luís,
a rosa por botim —
e ou vinho ou sangue
à saúde, Apolo.

Vem, formosa mulher, camélia pálida

Vem, formosa mulher, camélia pálida
que banharam de luz as alvoradas
tu que ousaste com teus olhos verdes conhecer
a margem do caminho
quem sabe tu de torna-volta
Maria Helena do pais de Eleusis
do anjo da morte houveras aprendido
o mapa do sepulcro
o equador guardado e a latitude
onde a sibila dorme e a palavra
do sortilégio e da ressurreição:
os deuses a conhecem
e Lázaro acordou à sua sílaba
vinho da uva, água da fonte, luz da estrela
emanação do amor ela se diz
ao ouvido dos mortos
e eles estremecem
desatados da morte e do silêncio.

Não a ouviste talvez em tua morte tu
maestra del amor y de la muerte?
Sábio de lembrar-me de seus olhos
dela — sábia do amor, sábia da morte
sobre as areias do coração
não desmanchou a lágrima
a planta de seu pé:
e nesse rastro vamos
e uma noite qualquer é sua voz
o pomo do mistério partido em nossas mãos
o oráculo.

Madame Sosostris, Eliot, T. S. Eliot, o Major seu Né das Águas Belas
eram de profissão adivinhões:
ela era de profissão a minha amante
aprendiz na oficina de seus olhos
o oráculo da morta nos espanta
e quem se nós clamássemos nos ouviria mais que ela?
e atrás de seu caminho de mãos dadas
vai nosso amor mais forte do que a morte.

No solo las estrellas tienen el pulso del zenith
Léa
nas mãos dadas apertamos a estrela
e a minha profissão é o teu amor
e a tua profissão é o meu afago
pousa o dedo no lábios da cigana
e surge
musa única musa vera
única mais bela — morena e magnífica —
sobre o dorso dos ventos que deitam o canavial
sobre o lombo das novghas matinais em que te ensaias
para a doce viagem nos meus ombros
à ilha de cravo e mel
daquela estrela.

GERARDO MELLO MOURÃO: INVENÇÃO DO MAR - LITERATO
Gerardo Mello Mourão - - Era uma vez o cheiro dos cajás...
Memória Política = Gerardo de Mello Mourão
Gerardo Mello Mourão,Obra: Cânon e Fuga Poemas - Vídeo 4
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Gerardo Mello Mourão,Obra: Cânon e Fuga Poemas - Vídeo 1
Gerardo Mello Mourão: a poesia épica e sua releitura lírica
Gerardo Mello Mourão ,Obra: Cânon e Fuga Poemas - Video 2
Gerardo Mello Mourão,Obra: Cânon e Fuga Poemas - Vídeo 3
Gerardo Mello Mourão
Iam caindo - Gerardo Mello Mourão (Extrato de majestoso poema autobiográfico)
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"O QUE AS SEREIAS DIZIAM A ULISSES NA NOITE DO MAR" , recita Gerardo Mello Mourão um , grande poeta
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