Heinrich Heine

Heinrich Heine

Christian Johann Heinrich Heine foi um poeta romântico alemão, conhecido como “o último dos românticos”.

1797-12-13 Düsseldorf, Alemanha
1856-02-17 Paris, França
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Prémios e Movimentos

Romantismo

Alguns Poemas

Como rasteja devagar

Como rasteja devagar
O tempo, caracol horrendo!
E eu, sem poder mover os membros,
Não saio mais deste lugar.

Na minha cela sempre escura
Não entra sol nem a esperança;
Daqui, em derradeira instância,
Só me liberta a sepultura.

Quem sabe já virei defunto
E esses semblantes em cortejo,
Que à noite desfilando eu vejo,
Não são visitas do outro mundo.

Fantasmas a vagar sem corpo
Ou deuses do templo pagão,
Que adoram fazer confusão
No crânio de um poeta morto. –

A doce festa dos espíritos,
Orgia saturnal e tétrica,
Busca a mão óssea do poeta
Deitar às vezes por escrito.


:


Wie langsam kriechet sie dahin,
Die Zeit, die schauderhafte Schnecke!
Ich aber, ganz bewegungslos
Blieb ich hier auf demselben Flecke.

In meine dunkle Zelle dringt
Kein Sonnenstral, kein Hoffnungsschimmer;
Ich weiß, nur mit der Kirchhofsgruft
Vertausch ich dies fatale Zimmer.

Vielleicht bin ich gestorben längst;
Es sind vielleicht nur Spukgestalten
Die Phantasieen, die des Nachts
Im Hirn den bunten Umzug halten.

Es mögen wohl Gespenster seyn,
Altheidnisch göttlichen Gelichters;
Sie wählen gern zum Tummelplatz
Den Schädel eines todten Dichters. –

Die schaurig su¨ssen Orgia,
Das nächtlich tolle Geistertreiben,
Sucht des Poeten Leichenhand
Manchmal am Morgen aufzuschreiben.


[1853-1854]


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NOTA BIOGRÁFICA SOBRE HEINRICH HEINE
preparada por André Vallias.


HEINE – poeta, escritor, jornalista e pensador (nascido Harry, em 1797; batizado Heinrich, em 1825; falecido Henri, em 1856) – foi uma das personalidades mais fascinantes e contraditórias do século XIX. Aluno do crítico, tradutor e teórico da literatura August von Schlegel, do linguista e sanscritólogo Franz Bopp e do filósofo Georg Hegel, ascendeu dos salões literários de Berlim à efervescente metrópole parisiense – onde conviveu com Balzac, Alexandre Dumas, Chopin, George Sand, Berlioz, barão de Rothschild, Théophile Gautier, Franz Liszt, Gérard de Nerval, entre outros – para se tornar o primeiro artista e intelectual judeu-alemão de ampla repercussão internacional. Influenciou tanto Karl Marx, de quem foi grande amigo, quanto Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, para ficarmos apenas entre os baluartes da Modernidade, palavra que, por sinal, ele próprio introduziu no vocabulário, num de seus caleidoscópicos Quadros de viagem que lhe catapultaram para a fama em meados da década de 1820. Em 1827, publicou uma das mais bem-sucedidas coletâneas de poesia do Ocidente, o Livro das canções, fonte inesgotável para os compositores ­­– Schubert, Schumann, Brahms, Hugo Wolf, Grieg, entre tantos outros – que o fizeram um dos poetas mais musicados da história: somente o poema “Tu és como uma flor” recebeu 451 melodias diferentes! Radicando-se em Paris, em 1831, assumiu o papel de mediador entre as culturas alemã e a francesa. Em artigos de jornal – onde narrava os acontecimentos da política, arte e vida social parisiense para o público alemão – fez observações pioneiras sobre religião e dança, entre outros assuntos. Aos franceses dirigiu instigantes e divertidíssimos ensaios sobre as correntes religiosas, filosóficas e literárias da Alemanha Foi um defensor apaixonado dos ideais da Revolução Francesa, crítico implacável da hipocrisia moral e inimigo feroz do nacionalismo germânico, cujos frutos mais terríveis ele profetizou com um século de antecedência: “um drama há de ser encenado na Alemanha que fará a Revolução Francesa parecer um idílio inofensivo”. Em 1848, a doença – que julgava ser a sífilis – o fez passar os oito anos seguintes entrevado numa “cripta de colchões”, trabalhando incansavelmente, sob doses cada vez mais altas de morfina. Ainda arranjou forças, nos últimos meses de vida, para um affaire platônico com uma jovem e misteriosa visitante que ele apelidou de Mouche (Mosca), e a quem endereçou seus últimos poemas. Faleceu em 1856, sendo sepultado no cemitério de Montmartre.


Heinrich Heine nasceu em Düsseldorf, Alemanha, em 1797, e morreu em Paris em 1856. Chamado ao mesmo tempo de "último Romântico alemão" e de superador e transformador do Movimento, a obra de Heinrich Heine, como tem sido destacado na imprensa brasileira após o lançamento monumental desta antologia organizada por André Vallias, teve uma recepção crítica polêmica, conturbada e dividida. Celebrado, vilipendiado ou simplesmente ignorado, sua obra é um exemplo perfeito do que Ezra Pound diria sobre a poesia de qualidade: ela pode ser ignorada e desprezada por décadas ou séculos, mas cedo ou tarde um leitor, sem ser subornado, a encontrará em uma estante e a colocará novamente em circulação. Mais de 150 anos após a sua morte, Heine é hoje um dos poetas alemães do século XIX mais lidos no país, seuBuch der Lieder (Livro das canções) ainda pode ser encontrado em quase toda residência alemã, e sua influência, direta ou indiretamente, pode ser sentida em vários dos mais importantes poetas germânicos do século XX.
 
Com 544 páginas, o volumeHEINE, HEIN? – Poeta dos contrários (São Paulo: Perspectiva, 2011), com introdução e traduções deAndré Vallias, traz 120 poemas – em edição bilíngue –, dois longos excertos do livroLudwig Börne – Um memorial e cerca de 50 fragmentos extraídos de outras obras em prosa e de sua correspondência. A imprensa brasileira, num momento raro de aparente vigília, tem chamado a atenção para a importância desta publicação no Brasil, mas seria difícil dizer o suficiente para frisar a alegria que é esta boa nova.
 
No Brasil, algo que refletiu a tendência de muitos outros países, sempre se deu mais atenção crítica ao que eu chamaria deala órfica da tradição poética germânica, com poetas como Hölderlin e Novalis, ou, no século XX, a de Rilke e Trakl (distinta da maior parte da poesia expressionista), assim como a de Paul Celan e Ingeborg Bachmann no pós-guerra. Isto talvez explique um pouco o fato de que só agora, em 2011, a obra de Heine receba uma antologia tão abrangente em língua portuguesa, pois Heinrich Heine me parece um dos grandes representantes do que eu gosto de chamar deala telúrica da tradição poética germânica, da qual foi certamente uma espécie de mestre central, mantendo-a viva e equilibrando-se entre a obra dosminnesänger (a versão germânica do trovador medieval), como o grande Walther von der Vogelweide (1170 - 1230), e a obra modernista de poetas como Christian Morgenstern (1871 - 1914) e Bertolt Brecht (1898 - 1956), que certamente aprendeu com asLieder de Heine para seu trabalho dramatúrgico e de composição com Kurt Weill (1990 - 1950).
 
Sempre me pareceram fascinantes alguns dos paralelos entre Heinrich Heine e Bertolt Brecht, simbolizados de certa maneira já pelos seus anos de nascimento e morte: Heine nasce em 1797, Brecht em 1898 - um século separando-os; Heine morre em 1856, Brecht em 1956 - outro século. Entre estes dois mestres alemães e seus séculos, as obras poéticas marcadas pela tradição germânica da poesia oral e cantada, o ativismo político, a paixão pelas Revoluções de seu tempo (a Francesa para Heine, a Russa para Brecht), a resistência a nacionalismos, alguns momentos quase proféticos em suas obras antes das catástrofes, seus exílios forçados.
 
A influência da poesia de Heine pode ainda ser sentida com força no trabalho de autores do pós-guerra, como o austríaco H.C. Artmann e os alemães Helmut Heissenbüttel, Heiner Müller, Elisabeth Borchers e Thomas Brasch, por exemplo. Trata-se de uma tradição à qual temos dado especial atenção aqui naModo de Usar & Co., com artigos e traduções esparsas para vários dos poetas aqui mencionados, autores desta ala telúrica da poesia germânica. É por isso que este verdadeiro presente que André Vallias entregou este ano à poesia em língua portuguesa nos deixa particularmente felizes. Um poeta potente como Heine, vertido e circulando agora em português a partir das traduções realmente excelentes de Vallias, traduções que introduzem o alemão em toda a sua atualidade para o debate poético em língua portuguesa, talvez ajude a trazer equilíbrio e a conter certo pseudo-orfismo tão em moda em certa poesia brasileira contemporânea. A poesia deste alemão judeu, tão consciente da historicidade de seu trabalho com a linguagem, está completamente marcada por seu tempo e contexto histórico, mas é, ao mesmo tempo, uma das obras poéticas mais atuais da língua alemã. Se com ele aprendemos tanto sobre o mundo e tempo em que viveu, Heinrich Heine parece-me um dos poetas menos datados dentre seus companheiros, tenham vindo antes ou depois dele. Esta antologia é motivo de celebração.
 
 
--- Ricardo Domeneck
 
 
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