Helmut Heissenbüttel

Helmut Heissenbüttel

Helmut Heißenbüttel foi um romancista e poeta alemão do século XX. Vanguardista, experimentou diversas técnicas para se libertar da sintaxe tradicional e dos elementos simbólicos e emotivos da linguagem, aprofundando experiências de dadaístas e expressionistas, porém de forma mais construtivista. O romance D'Alemberts Ende (1970) é uma sátira à cultura com personagens construídas à base de citações.

1921-06-21 Wilhelmshaven
1996-09-19 Glückstadt
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Alguns Poemas

Helmut Heissenbüttel nasceu em Rüstringen, Alemanha, em 1921. Servindo como soldado na campanha russa, com 20 anos, foi gravemente ferido durante uma ofensiva, tendo seu braço esquerdo amputado. Após a guerra, estudou Arquitetura, Germanística e História da Arte em Dresden, Leipzig e Hamburgo. Estreia em livro em 1952, com o volumeKombinationen, ao qual se seguiram, entre outros,Topographien (1956),Textbuch 1 (1960),Das Durchhauen des Kohlhaupts (1973),Eichendorffs Untergang und andere Märchen (1978),Wenn Adolf Hitler den Krieg nicht gewonnen hätte (1979) ouDas Ende der Alternative (1980). Em 1969, recebeu o prestigioso prêmio Georg-Büchner. É contemporâneo de poetas tão diversos quanto Paul Celan (1920 - 1970), Erich Fried (1921 - 1988) ou H.C. Artmann (1921 - 2000), demonstrando a pluralidade da poesia germânica no pós-guerra, e as muitas maneiras buscadas para lidar com a tradição poética de um país que acabara de passar pelo cataclismo. Como escreveu Heissenbüttel, "Wir leben in der Hölle aber wir kennen sie nicht genau / Nós vivemos no inferno mas não o conhecemos por completo".
 
 Helmut Heissenbüttel está entre os poetas de língua alemã que retomaram a pesquisa experimental das principais vanguardas germânicas (como o dadaísmo e o expressionismo) no pós-guerra, caso de autores como os austríacos H.C. Artmann, Ernst Jandl, Gerhard Rühm e Friederike Mayröcker, ou o suíço Eugen Gomringer. Sua perspectiva experimental, porém, não se baseou em qualquer elefantíase semântica, desregramento ou atomização sintáticos. A antologia poética da qual foi retirado o texto abaixo intitula-seDas Sagbare sagen, ou seja: dizer o dizível. É inevitável aqui pensar na última proposição de Wittgenstein noTractatus Logico-Philosophicus, de 1922 - oanno mirabilis do modernismo internacional, como Marjorie Perloff chegou a dizer. A última proposição doTractatus, como todos sabem, é a famosa e mui citada "Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen" / "Sobre o que não se pode falar, deve-se silenciar." Obviamente, já se usou e abusou desta proposição, em inúmeros contextos, em geral descontextualizando-a, na verdade. Não se pode esquecer da proposição que diz: "Os limites de minha língua são os limites do meu mundo", na qual Wittgenstein investiga uma possível "sutura" (ou apenas "analgésico"?) para o dilema poético do abismo/ferida que separaria da linguagem o mundo, algo que tanto ocupara a poesia moderna a partir do Romantismo, levando quase ao esfumaçamento da linguagem entre os simbolistas (basta pensarmos em certos textos de Cruz e Sousa ou Stefan George). Algo desta proposta talvez possa ser sentida já em Mallarmé, transformando a equação "Mundo X Linguagem" em "Linguagem = Mundo". Não sei se esta proposição já foi pensada a fundo na poesia brasileira. A concentração única na chamada "função poética" da linguagem (apesar da advertência de Jakobson), ou a noção de "materialidade da linguagem" praticada pelo grupo Noigandres, levando por vezes a uma teatralização visual do signo, não me parecem realmente levar essa proposição às consequências mais profundas.
 
 No entanto, é justamente a Haroldo de Campos que eu recorreria para discutir um dos aspectos dos poemas traduzidos abaixo. Pois o módulo de composição de Helmut Heissenbüttel, nestes poemas específicos e em muito de seu trabalho poético, assemelha-se ao que Haroldo de Campos viria a escrever sobre a composição poética de Murilo Mendes, ou seja, o que o poeta paulista viria a chamar no poeta mineiro de uma "espécie de gerador iterativo de sintagmas, que se escandem completos e acabados", seguindo para reiterar o que Manuel Bandeira já escrevera sobre Murilo Mendes, sobre sua articulação de uma "combinatória capaz de lobrigar a concórdia na discórdia". Não iria tão longe na comparação entre Helmut Heissenbüttel e Murilo Mendes, mas o alemão também parece compor um poema "de frases inteiras", não tanto com  a "violência de arestas sucessivas, arrombando com a alavanca da imagem imprevista e impressível, a porta blindada do silogismo”, mas criando uma combinatória permutativa de significados instáveis, questionando de certa maneira a noção de "objetividade" baseada em um conceito como o demot juste, do século XIX. Já insinuei em outros artigos uma oposição possível entre os grupos experimentais do pós-guerra, especialmente os que floresceram em metrópoles como São Paulo, Paris, Nova Iorque ou Viena, ou seja, entre os grupos que se basearam nas vanguardas construtivistas (como é o caso dos brasileiros da revistaNoigandres), e os grupos que se basearam no trabalho dos poetas da revistaDADA e do expressionismo (caso, por exemplo, do Grupo de Viena e da Escola de Nova Iorque). No caso destes últimos, a materialidade da linguagem busca atingir a não-transparência do signo sem teatralizar demais seu aspecto visual, e baseia-se mais na instabilidade dos referentes que na tentativa de precisão na relação significante/significado, sem no entanto desprezá-la.
 
 o negro da água e o pontilhado das luzes
o negro da água e o ocasional dos reflexos
regiões e regiões e paisagens
paisagens que eu tingi e paisagens que eu
.......não tingi
o ocasional das sombras e a cromática da claridade
o negro da negrura e a cromática da clara mancha
amarelo vermelho amarelho e vermelho vermelho
regiões e paisagens e ou
ou e ou ou
 
die Schwärze des Wassers und das Punktuelle der Lichter
die Schwärze des Wassers und das Gelegentliche der Reflexe
Gegenden und Gegenden und Landschaften
Landschaften die ich gefärbt habe und Landschaften die ich
.......nicht gefärbt habe
das Gelegentliche der Schatten und die Chromatik des Hellen
die Schwärze des Schwarzen und die Chromatik der hellen Flecke
gelb rot rotgelb und rot rot rot
Gegenden und Landschaften und oder
oder und oder oder
 
 Esta perspectiva da "fala possível" evitaria também, por exemplo, o abuso que se pratica em resenhas de poesia no Brasil, o abuso do clichê que leva autores de artigos a  descrever o trabalho de um poeta como sendo a "tentativa de dizer o indizível". Confesso que poucas expressões estimulam tanto meu reflexo faríngeo como esta. Questão de escolha. Talvez, para poetas do pós-guerra (especialmente no território realmente devastado pela Segunda Guerra), dizer o dizível parecera missão maior em termos est-É-ticos. Ouso dizer que o mesmo se aplica a Paul Celan, poeta sobre o qual usa-se com freqüência a descrição (a meu ver equivocada) do "dizer o indizível". A obra de Heissenbüttel é plural e variada. Sem qualquer esperança de representá-la aqui, apresentamos alguns poemas, como convite a uma pesquisa mais elaborada sobre este poeta alemão.
 
 
--- Ricardo Domeneck
 
 
 
 
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