SergioBVianna

SergioBVianna

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1994-02-08
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O Bolo

A escuridão era tão fechada 

Que de fechada se formou um bolo 

Um bolo fofo e escuro 

Que aos poucos engolia o mundo

Deveria ser engolida como bolo 

Mas como era escura como mofo 

O mundo foi tomado pela escuridão 

 

Eu a manuseei nas mãos 

Tão fofa e escura 

Que me fazia querer ver a lua 

Para talvez iluminar dessa massa escura 

Que de um bolo soturno 

Eu sabia ser o fim do mundo 

 

A mordi como se fosse o fim 

O fim de tudo 

De mim e do mundo 

De você e eu 

Quase me engasguei ao notar 

As notas pesadas de escuridão 

O pecado original 

Em sua total devassidão 

 

As asas formavam de massas escuras 

O bolo tinha asas 

Mas apenas de moscas ousadas 

Ela crescia em fúria dentro de mim 

A escuridão planava e zumbia 

Crescia e fugia 

Tomava meu corpo 

Como um bolo escuro 

Que tomou do mundo 

Toda a luz do fim do túnel 

 

Nem ao menos era de chocolate minha escuridão 

Era do mofo mais antigo do mundo 

Do odor acre que perpetua os pensamentos ruins 

A mordi com uma careta 

Mas as asas tentavam fugir pelas minhas orelhas 

 

Patinhas irresistíveis como o suplício 

De um chocolate amargo esquecido num prato 

Essa escuridão estranha 

Se tornou o mofo de minhas entranhas 

E de meu peito fez morada enlutada 

Tão pouco amada 

Por ter roubado da lua 

Toda a luz que habitava 

Num corredor escuro 

Na luz do fim do túnel 

O fim do mundo 

O fim de tudo 

 

O bolo estranho em meu prato 

Foi devorado em pedaços 

Escuro como os confins do mundo 

Agora bate asas para encontrar seu fim sozinho 

A escuridão do limbo 

Moscas negras que voam sem destreza 

É dessa infeliz tristeza 

Que elas se alimentam 

Para serem o bolo negro do meu peito 

 

Cansei de me ver perdido em versos 

Perversos como uma mosca escura 

Que foge da lua 

Enquanto paira pelo bolo de mofo 

Que comi aos poucos 

E agora sinto do estorvo 

De continuar essa caminhada 

Sem doce nem nada 

Apenas do amargo largo 

Que deixei todo quebrado 

 

De joelhos no chão 

O bolo negro me deu indigestão 

Sinto corroendo minhas entranhas 

A noite tomando a lua 

Tirando do céu, o pouco que resta do véu 

Não era a noiva que eu queria tirar para dançar 

 

Abro meu peito em completo desespero 

Uma nuvem de escuridão zomba de mim 

Atravessa pela noite se fundindo aos açoites 

A luz paira outra vez 

Diante de mim, 

Mesmo antes do fim 

 

Obrigado por não me deixar partir 

As moscas saíram de mim 

Agora já posso dormir 

E fingir que nunca vim aqui 

 

Nunca um chocolate amargo 

Me custou tão caro 

 

(01/12/2023, O Bolo)

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