O Bêbado
Eu vi um bêbado ser um brinquedo
Para crianças de várias idades.
As crianças cutucavam o bêbado
Com a cumplicidade dos pais e dos demais adultos.
Os pais diziam:
– Meninos parem com isso!
Mas ficavam mordendo os lábios,
Para não rirem na frente dos meninos.
Os travessos percebiam e o espetáculo continuava.
O “parem com isso” era um faz de conta,
Parecia certas lutas contra a fome, a destruição do meio ambiente...
Parecia com o papel de quem faz que não vê o rolo compressor
Que esmaga crianças, mulheres, idosos e a construção da humanidade.
O bêbado era um brinquedo.
Os travessos davam petelecos nas orelhas,
Puxavam os cabelos, chutavam as pernas
Atormentavam o bêbado,
Que em vão procurava humanidade na Humanidade:
– Vocês não estão vendo isso não!
O bêbado não fazia mal a ninguém.
Se segurava em uma garrafa de cachaça
E depois cantarolava meia hora e apagava.
Meia hora de “lata d'água na cabeça” e outras parecidas.
Nenhuma música inadequada para aqueles ouvidos.
Nenhuma palavra obscena, nenhuma ameaça.
Nada, nada, nada...
Sem forças para ficar de pé,
Não correria nem de um leão faminto.
Inofensivo, indefeso, desamparado...
Não tinha ninguém por ele.
Tudo que tinha era a música e o álcool.
O prazer de ver o outro tropeçar, cair, meter os pés pelas mãos,
Não nos larga depois que os tropeções de um circense ou de um parente não têm mais graça.
Largamos as fraldas, a farda da alfabetização,
Os dentes de leite, as bonecas, os brinquedos
E um punhado de segredos,
Mas a diversão com o tropeção do outro não.
E o bêbado sendo levado pelo vento,
Se segurando nas paredes,
Colocando as mãos no chão, era uma diversão.
Mas isso ainda era pouco
Para as inesgotáveis necessidades que nos consomem.