O Abecedário da Rotina e de Seus Dados Estranhos

Acordei e caí da cama - estava atrasado.

O relógio, cedo, sentenciava um tempo que não era meu.

No trabalho, o computador chamava, determinava obrigações.

Ordens rígidas, com autoridade de quem corta salários.

Meus dedos digitam um abecedário de dados estranhos.

O teto descia milímetros por pensamento, cansaço, tédio.

 

Lá fora, a rua fervia, dezenas de desconhecidos, sem vozes.

Voltei, a casa era igual, mas era meu canto de descanso.

A rotina, juiz injusto e sem rosto, proferia sua sentença:

Produzir, cumprir, comprar e se calar em teu canto.

E eu cumpria, revoltado, desejando ter voz, sair dessa falha.

 

No trabalho, questionava se ainda era homem, humano mesmo.

E não máquina, dente cego na engrenagem que ruía o mundo.

O peso nas costas não é meu— é mais-valia de déspotas.

São relatórios, planejamentos, horas, assinaturas grudadas na pele.

O teto desce, o ar-condicionado sopra poeira.

 

Nos fones, a intensa gaita de Sonny Terry.

E na mente, uma arara-azul pousa na janela

Do 19º andar, dos neurônios enfurecidos.

Seu voo rasga a ata de deliberações,

Desenha círculos no céu — livres, espontâneos.

 

Aumento de salário? O chefe é um capacho de gente pior.

Fecho os olhos. Ou será que os abro, pelo menos na mente?

O café esfria, não há nada diferente.

A imagem da livre ave, afinal, era meu combustível

Para não dormir sobre o teclado e alimentar outros mundos.

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