A Gênese do Luto
Antes de qualquer coisa, do contentamento,
O sofrimento ronda o espírito.
É um chão batente, pesado, cheio de surpresas,
Jorrando sangue nas certezas,
Esperando o tropeço em inesperados momentos.
A alegria, algo quase impalpável nesse
Ambiente, chega sempre depois que precisamos.
Quando as conversas noturnas viraram silêncio,
Os rostos, antes alegres, agora habitam retratos e a fria sepultura.
O luto, esmagador da vida, desmancha o ânimo.
Tudo desertifica e os firmamentos põe fora do lugar.
Tritura os nervos, desfia os neurônios.
Ele intensifica as lembranças:
Onde havia mesas e almoços afetuosos,
Agora, a sala é só chão, silenciosa.
Mesmo com toda sua miséria,
É preciso sentir, mesmo sem firmamento,
Mesmo sem os antigos rostos,
Sem os passados abrigos.
Sentir o que restou, o regaço sem consolo.
A dor em profundidade onde antes
Era antiga moradora do amor.
Aceitar não como rendição, ela habita em mim
E pode me mover a novos horizontes, outros rumos.
Não adianta perguntar sobre os acontecidos.
É hora de agir, mesmo cambaleando.
Transformar o luto, o nada murcho de alegrias,
Em nova substância. Fazer da ruína passo.
Chorar, lamentar, ficar em insônia, ruir.
Mas não morar na dor, não erguer eterna casa.
O luto deseja prolongar porque a mente não
Entende separações definitivas.
Mas a realidade nos obriga a adaptação.
A falta ganha forma e começamos a viver
O que resta, vivendo o que nunca mais será.
O luto é o preço ingrato por dar e receber amor.
Mas o amor, em memórias, não se desfaz.
Ele só muda de lugar, mora agora no impalpável.
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