Isabel Pires

Isabel Pires

Amar o abismo da descoberta. Sem cair.

1964-01-30 Lisboa
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Degusto-te

Provei o amargo.
Após muitos rectângulos de palavras entre as duas janelas.
Não sei como aconteceu.
Apenas não sei a parte do momento exacto do amargo chegar, porque da sua confecção já me alertaras para a possibilidade de estar a tratar dela a preceito.

Ao provar, descobri que o amargo não tem sempre a mesma cadência e anda a diferentes velocidades.
Soube disso quando o meu amargo se levantou cansado e atirou comigo para o campo árido da prostração.
Até me pareceu que o ácido do amargo com raiva, que eu não sinto, mas que calculo ser agitado e sempre a abrir, causa menos estragos. Solta-se melhor, é isso.

O amargo sabe mal, mas não é necessariamente mau.
Digo eu.
Disseste-me tu.
'O amor é uma loucura sensata, um fel que sufoca, uma doçura que conserva', diz o poeta.
'Sabe amargo el licor de las cosas queridas', diz a canção.

O doce e o amargo aprenderam a jogar taco-a-taco.
Só chamamos por um ou por outro perante a fragilidade do adversário.

Gosto-te no (des)equilíbrio discreto e inquietante entre os sabores.
Ensinaste-me.
Sei que aprendi.
Percebo-me nunca habituada.


Katia Chausheva

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