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Orpingalik foi um poeta inuíte ativo nas primeiras décadas do século XX, que serviu comoangakkuq (figura que conjuga a liderança intelectual e espiritual entre os inuítes, algo como oxamã em outras culturas) para sua comunidade Netsilingmiut, do norte do Canadá. Durante suas expedições pelo ártico, o antropólogo groenlandês Knud Rasmussen (1879 – 1933) transcreveria muitas das canções e poemas de Orpingalik, que descreveria da seguinte maneira seu trabalho poético:
"Canções são pensamentos, cantados com o fôlego e a respiração quando as pessoas são movidas por grandes forças e a fala comum não basta. Os humanos são movidos como placas de gelo que navegam aqui e acolá na corrente. Seus pensamentos são dirigidos por uma força fluente quando ele sente alegria, quando ele sente medo, quando ele sente a tristeza. Pensamentos podem jorrar sobre ele como uma enchente, fazendo sua respiração vir em esgares e seu coração palpitar. Algo como uma queda de temperatura mantê-lo-á em gelo. E então ocorrerá que nós, que nos pensamos pequenos, nos sentiremos ainda menores. E temeremos usar palavras. Mas então acontecerá que as palavras de que precisamos virão por si mesmas. Quando as palavras que queremos usar jorram por si mesmas - aí nós temos uma nova canção." --- Orpingalik, em depoimento a Knud Rasmussen.
Esta declaração de princípios, que se irmana às mais sofisticadas poéticas ocidentais, já foi comparada a certas declarações de William Wordsworth (1770 – 1850), por exemplo, e por Jerome Rothenberg em sua seminal antologiaTechnicians of the Sacred (1968) a poéticas norte-americanas como a doProjective Verse, de Charles Olson (1910 - 1970), com sua ênfase na composição poética baseada na respiração do poeta. Pessoalmente, ao ler esta declaração de poética de Orpingalik, penso imediatamente em um poeta do pós-guerra como Henri Chopin (1922 - 2008), que reduziria o campo de composição poética estritamente à sua respiração. Na língua inuíte Netsilik, de Orpingalik, "respiração" e "poesia" têm o mesmo nome:anerca, o que pode ser encontrado em outras etimologias. Como bem nos lembra Rothenberg, nas terras dos povos esquimós, devido à temperatura a respiração é algo visível, em vapor, e na língua de Orpingalik a palavra "vivo" ou "vivente" pode ser traduzida como "aquele que o vapor cerca".
Entre os poemas inuítes que Rasmussen recolheria em suas expedições, um dos meus favoritos é um certo "Poem against death", que diz tão-somente: "I watched the white dogs of the dawn". Lido em tradução, não sabemos de que maneira foi recriado, mas sua forte carga aliterativa demonstra sua origem oral.
A mim parece uma espécie de desabafo e desafio, como quem diz "acordei de novo, um dia a mais!". Parece-me belíssimo. Dos poemas-canções mais divulgados de Orpingalik, de quem infelizmente não há gravações de som, apenas transcrições, tentei a seguinte paráfrase a partir de sua tradução para o inglês. Como qualquer grande poeta, Orpingalik incluía composições próprias em meio a textos recebidos pela sua tradição, em expressão pessoal mesclada à entoação de palavras mágicas, que recebemos como poesia sonora.
--- Ricardo Domeneck