Afonso Schmidt
Affonso Schmidt, também grafado Afonso Schmidt, foi um jornalista, contista, romancista, dramaturgo e ativista anarquista brasileiro.
1890-06-29 Cubatão, São Paulo, Brasil
1964-04-03 São Paulo, Brasil
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Zingarella
Certa noite, na Itália, quando eu vinha
para meu quarto, achei-a junto à porta;
era tão bela, mas tão pobrezinha!
De sono e frio estava quase morta.
Ela, pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto:
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanoto!
Ofereci-lhe o quarto de estudante,
de minha estreita cama fiz a sua,
e, enquanto ela dormia, palpitante,
eu vagava, sem teto, pela rua.
De manhã, voltando à casa,
perguntei o nome dela:
— Come ti chiami, ragazza?
— Io mi chiamo Zingarella.
Depois... Eu tinha vinte e três janeiros,
ela contava quinze primaveras.
Eram tão juntos nossos travesseiros...
Veio a paixão. Amamo-nos deveras...
Foi o quadro mais risonho
desta vida fugidia:
— Zingarella, sei mio sogno!
— E tu sei la vita mia!
Mas, um dia, ao voltar do meu estudo,
cheio de mágoas, de ânsias e de frio,
não encontrei seus olhos de veludo:
o quarto estava gélido e vazio.
Grito embalde o nome dela,
Numa tristeza infinita:
— Dove sei, o Zingarella?
— Dove sei, o mia vita?
E a minha vida prosseguiu inglória...
Fiz coisas de rapaz... Não me envergonho
de recordar ainda aquela história,
quase desvanecida como um sonho:
ela, pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto...
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanoto!
Publicado no livro Janelas abertas (1911).
In: SCHMIDT, Afonso. Poesia. Ed. definitiva. São Paulo: Ed. Nacional, 194
para meu quarto, achei-a junto à porta;
era tão bela, mas tão pobrezinha!
De sono e frio estava quase morta.
Ela, pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto:
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanoto!
Ofereci-lhe o quarto de estudante,
de minha estreita cama fiz a sua,
e, enquanto ela dormia, palpitante,
eu vagava, sem teto, pela rua.
De manhã, voltando à casa,
perguntei o nome dela:
— Come ti chiami, ragazza?
— Io mi chiamo Zingarella.
Depois... Eu tinha vinte e três janeiros,
ela contava quinze primaveras.
Eram tão juntos nossos travesseiros...
Veio a paixão. Amamo-nos deveras...
Foi o quadro mais risonho
desta vida fugidia:
— Zingarella, sei mio sogno!
— E tu sei la vita mia!
Mas, um dia, ao voltar do meu estudo,
cheio de mágoas, de ânsias e de frio,
não encontrei seus olhos de veludo:
o quarto estava gélido e vazio.
Grito embalde o nome dela,
Numa tristeza infinita:
— Dove sei, o Zingarella?
— Dove sei, o mia vita?
E a minha vida prosseguiu inglória...
Fiz coisas de rapaz... Não me envergonho
de recordar ainda aquela história,
quase desvanecida como um sonho:
ela, pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto...
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanoto!
Publicado no livro Janelas abertas (1911).
In: SCHMIDT, Afonso. Poesia. Ed. definitiva. São Paulo: Ed. Nacional, 194
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