Luís Gama
Luís Gonzaga Pinto da Gama foi um rábula, orador, jornalista e escritor brasileiro. Nascido de mãe negra livre e pai branco, foi contudo feito escravo aos 10, e permaneceu analfabeto até os 17 anos de idade.
1830-06-21 Salvador, Bahia, Brasil
1882-08-24 São Paulo, Brasil
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Quem Sou Eu?
Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — Ninguém! —
A. E. ZALUAR - Dores e Flores
(...)
O que sou e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições
Contra as minhas reflexões.
Eu bem sei que sou qual Grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receosos,
Hão de chamar-me tarelo,
Bode, negro, Mongibelo;
Porém eu, que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, ou sou bode,
Pouca importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,
Pois que a espécie é muita vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;
Nobres Condes e Duquesas,
Ricas Damas e Marquesas,
Deputados, senadores,
Gentis-homens, vereadores;
Belas Damas emproadas,
De nobreza empantufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais.
Gentes pobres, nobres gentes,
Em todos há meus parentes.
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança;
Guardas, Cabos, Furriéis,
Brigadeiros, Coronéis,
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães de mar e guerra,
— Tudo marra, tudo berra —
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos. —
O amante de Siringa
Tinha pêlo e má catinga;
O deu Mendes, pelas contas,
Na cabeça tinha pontas;
Jove quando foi menino,
Chupitou leite caprino;
E, segundo o antigo mito,
Também Fauno foi cabrito.
Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse, pois, a matinada,
Porque tudo é bodarrada!
Publicado no livro Primeiras trovas burlescas de Getulino (1861).
In: GAMA, Luiz. Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes. São Paulo: Cultura, 1944. p.97-100. (Últimas gerações, 4
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — Ninguém! —
A. E. ZALUAR - Dores e Flores
(...)
O que sou e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições
Contra as minhas reflexões.
Eu bem sei que sou qual Grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receosos,
Hão de chamar-me tarelo,
Bode, negro, Mongibelo;
Porém eu, que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, ou sou bode,
Pouca importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,
Pois que a espécie é muita vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;
Nobres Condes e Duquesas,
Ricas Damas e Marquesas,
Deputados, senadores,
Gentis-homens, vereadores;
Belas Damas emproadas,
De nobreza empantufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais.
Gentes pobres, nobres gentes,
Em todos há meus parentes.
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança;
Guardas, Cabos, Furriéis,
Brigadeiros, Coronéis,
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães de mar e guerra,
— Tudo marra, tudo berra —
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos. —
O amante de Siringa
Tinha pêlo e má catinga;
O deu Mendes, pelas contas,
Na cabeça tinha pontas;
Jove quando foi menino,
Chupitou leite caprino;
E, segundo o antigo mito,
Também Fauno foi cabrito.
Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse, pois, a matinada,
Porque tudo é bodarrada!
Publicado no livro Primeiras trovas burlescas de Getulino (1861).
In: GAMA, Luiz. Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes. São Paulo: Cultura, 1944. p.97-100. (Últimas gerações, 4
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Mais como isto
Ver também
Rose
Temos de acabar com esse preconceito horrível.
Eu amei esse poema do Luiz Gama.
Comovente demais.
Que vontade de dizer ao mundo inteiro:
Todos somos iguais !
19/novembro/2020