Com a Poesia no Cais
De macacão operário
e chave inglesa na mão,
convocarei a poesia
para um passeio ao crepúsculo
A Esfinge me escutará
no seu palácio de nuvens.
E sentirá a minha voz
acelerar o compasso
do seu coração de sol.
E descerá pela escada
dos raios rubros do poente.
E o seu hálito, como a brisa,
agitará meus cabelos.
Eu a olharei face a face
em sua alvura de morte.
E beijarei, como um tísico,
sua boca de esperança.
Depois tomarei seu braço
e a levarei — fria sombra! —
ver as pupilas sem luz
dos que naufragam na dor.
De macacão operário
trespassarei os portais
de velhos bairros obscuros.
E mostrarei à poesia
cortiços e lupanares.
Eu quero ver a Arte-Pura
estender sua mão à fome!
Que chegue às suas narinas
o aroma das privações!
Que sinta e aspire o hálito
da negra boca da noite,
dormindo nas casas tristes
onde a miséria desmaia.
Ó! a suprema poesia
que mora na flor de lótus!
A ninfa geraldiana,
a pura, a perfumadíssima!
Deixai-a ver esses negros
que puxam café no cais!
Deixai-a ver os tropeiros,
aradores e ferroviários!
Deixai-a entrar numa usina,
andar num trem de subúrbio
e ver saltar do andaime
para a morte, um operário!
Então a poesia pura,
de pés banhados em sangue,
sentirá que a luz da aurora
lhe circunda a fronte loura.
A brisa lhe afaga os seios
num sopro de humanidade.
E ela abrirá seus braços
de olhos fixos em Gomorra,
com o seu corpo de sal
suspenso acima da terra
e esta parindo à distância
o dia novo que nasce.
Publicado no livro Rosa extinta: poemas (1945).
In: SILVA, Domingos Carvalho da. Múltipla escolha. Introd. Diana Bernardes. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília: INL, 1980
e chave inglesa na mão,
convocarei a poesia
para um passeio ao crepúsculo
A Esfinge me escutará
no seu palácio de nuvens.
E sentirá a minha voz
acelerar o compasso
do seu coração de sol.
E descerá pela escada
dos raios rubros do poente.
E o seu hálito, como a brisa,
agitará meus cabelos.
Eu a olharei face a face
em sua alvura de morte.
E beijarei, como um tísico,
sua boca de esperança.
Depois tomarei seu braço
e a levarei — fria sombra! —
ver as pupilas sem luz
dos que naufragam na dor.
De macacão operário
trespassarei os portais
de velhos bairros obscuros.
E mostrarei à poesia
cortiços e lupanares.
Eu quero ver a Arte-Pura
estender sua mão à fome!
Que chegue às suas narinas
o aroma das privações!
Que sinta e aspire o hálito
da negra boca da noite,
dormindo nas casas tristes
onde a miséria desmaia.
Ó! a suprema poesia
que mora na flor de lótus!
A ninfa geraldiana,
a pura, a perfumadíssima!
Deixai-a ver esses negros
que puxam café no cais!
Deixai-a ver os tropeiros,
aradores e ferroviários!
Deixai-a entrar numa usina,
andar num trem de subúrbio
e ver saltar do andaime
para a morte, um operário!
Então a poesia pura,
de pés banhados em sangue,
sentirá que a luz da aurora
lhe circunda a fronte loura.
A brisa lhe afaga os seios
num sopro de humanidade.
E ela abrirá seus braços
de olhos fixos em Gomorra,
com o seu corpo de sal
suspenso acima da terra
e esta parindo à distância
o dia novo que nasce.
Publicado no livro Rosa extinta: poemas (1945).
In: SILVA, Domingos Carvalho da. Múltipla escolha. Introd. Diana Bernardes. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília: INL, 1980
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