Harpa XXXV - Visões
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Mas, o rio que passa azul, vermelho,
Conforme a cor do céu, quem foi que o fez?
Quem é que do despenho alcantilado
Leva-o saudar os campos e esses vales?
E este vento que me açoita as faces
De condenado e arranca-me os cabelos?
E este coro florestal da terra,
Solene e cheio, como dos altares,
Vozes, órgãos, incenso todo o templo?
Este meu pensamento pressuroso
Rolando dentro em mim? este meu corpo
Ninho dessa ave de tão vastas asas?...
Quanto é sublime todo este universo!
Quem te negara o ser? — quando houve tempo
Quando nada existiu, que tudo fez-se!
Mas, o infinito compreender não posso.
Donde saíste, Deus, onde vivias,
Rodeado do espaço? ele gerou-te
Por dominá-lo sol onipotente?
Mais ele fora. Não. Acaso o caos,
Revolvido incessante às tempestades,
Estalado em lascões, lavas brilhantes
Outras térreas, librando-se embaladas
Nas asas da atração fraterna entre elas,
Qual presas pelas mãos por não perderem-se,
Ordenou-se por si? ou fora acaso
A criação fatal, tudo se erguendo
Segundo as circunstâncias? Oh, inferno
Da obscura razão — mofa, ludíbrio
Com que Deus pisa o homem! Um Deus fez tudo!
Um Deus... palavra abstrata, incompreensível...
Mas a sinto tão ampla, que me perde!
— E então, quem aos mares suspendidos
A verdura defende, e que se atirem
Uns astros sobre os outros? Deus...um Deus
Ao sol dá cetro e luz, asas ao vento,
Leito às águas dormir, delírio ao homem
Quando queira abraçá-lo. Dorme o infante
Sob os pés de sua mãe, que ama e não sabe:
A natureza ao Criador se humilhe.
Não tenho alma infinita, porque é cega
À verdade imortal: visse ela o eterno —
Quanto eu amara! quanto — Eu sou bastardo,
Não sei quem são meus pais... se amar não posso,
A existência me enfada: enjeito-a, e morro!
(...)
Imagem - 00310003
Poema integrante da série Noites.
In: SOUSÂNDRADE. Harpas selvagens. Rio de Janeiro: Laemmert, 1857
Mas, o rio que passa azul, vermelho,
Conforme a cor do céu, quem foi que o fez?
Quem é que do despenho alcantilado
Leva-o saudar os campos e esses vales?
E este vento que me açoita as faces
De condenado e arranca-me os cabelos?
E este coro florestal da terra,
Solene e cheio, como dos altares,
Vozes, órgãos, incenso todo o templo?
Este meu pensamento pressuroso
Rolando dentro em mim? este meu corpo
Ninho dessa ave de tão vastas asas?...
Quanto é sublime todo este universo!
Quem te negara o ser? — quando houve tempo
Quando nada existiu, que tudo fez-se!
Mas, o infinito compreender não posso.
Donde saíste, Deus, onde vivias,
Rodeado do espaço? ele gerou-te
Por dominá-lo sol onipotente?
Mais ele fora. Não. Acaso o caos,
Revolvido incessante às tempestades,
Estalado em lascões, lavas brilhantes
Outras térreas, librando-se embaladas
Nas asas da atração fraterna entre elas,
Qual presas pelas mãos por não perderem-se,
Ordenou-se por si? ou fora acaso
A criação fatal, tudo se erguendo
Segundo as circunstâncias? Oh, inferno
Da obscura razão — mofa, ludíbrio
Com que Deus pisa o homem! Um Deus fez tudo!
Um Deus... palavra abstrata, incompreensível...
Mas a sinto tão ampla, que me perde!
— E então, quem aos mares suspendidos
A verdura defende, e que se atirem
Uns astros sobre os outros? Deus...um Deus
Ao sol dá cetro e luz, asas ao vento,
Leito às águas dormir, delírio ao homem
Quando queira abraçá-lo. Dorme o infante
Sob os pés de sua mãe, que ama e não sabe:
A natureza ao Criador se humilhe.
Não tenho alma infinita, porque é cega
À verdade imortal: visse ela o eterno —
Quanto eu amara! quanto — Eu sou bastardo,
Não sei quem são meus pais... se amar não posso,
A existência me enfada: enjeito-a, e morro!
(...)
Imagem - 00310003
Poema integrante da série Noites.
In: SOUSÂNDRADE. Harpas selvagens. Rio de Janeiro: Laemmert, 1857
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