Luís Amaro

poeta, editor, bibliófilo e investigador português

1923-05-05 Aljustrel
2018-08-24 Lisboa
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A Teixeira de Pascoais

1
Tudo a noite transforma.
A verdade das coisas está perto

E, o silencio fala
Com as sombras da nossa alma, iguais
As sombras dum jardim lunar
Com árvores e flores
Que refletem nossa paisagem íntima.

Imagem do silêncio,
Ó fonte do meu sonho, recolhida
E imersa na penumbra ...

Longe, uma tristeza irmã abre-me os braços
Onde tudo me diz
O sentido da vida!

2
Lá vem a noite... As sombras
Invadem já meu coração sozinho,
Tocado de mistério e de silêncio,
Ferido de remorso e nostalgia.

Lá vem a noite, e traz consigo
O abandono absoluto, o esquecimento,
O contato mais íntimo das coisas
Que nos povoam e sobressaltam.

Lá vem a noite... E eu, desamparado,
Defronto enigmas e desfio lembranças
Da vida vã, dispersa... Mas súbito
Uma outra voz acalma o coração,
Cresce da sombra, iluminada e pura!

3
Um fio de música
Que me liberte
Do peso escuro
Que trago em mim!

Um fio de música
Que me transmita
(E a alma inunde),
Mãe, teu perdão!

Um fio de música
Que vã ao fundo
Do ser dorido,
Qual uma bênção

E sagre e embale
Meu coração
Das trevas preso:
Um fio de luz

Que me redima
Daquele instante
E varra, afaste
A vil lembrança!

Um fio de música
A dar-me alento
De olhar de frente
A luz do dia!

4
Ave ferida, minha alma
Necessita de silêncio
Para voar liberta da aridez dos dias,
E vai morrendo ausente
Da luz do alto onde quisera
Pairar sem nome e sem destino ...

Ave ferida e deserta
De esperanças, vai ficando
Saudosa dos longes, da distância,
E suas asas retraem-se, doridas,
De encontro às grades frias, lisas,
Dum cárcere obscuro!

Ave ferida e sedenta
Dos livres horizontes, das palavras
Que crepitam nos astros e fluem
Dos corações amantes, das montanhas
— Minha alma necessita de silencio
E, refletindo na noite a sua imagem,
Ir ao fundo das coisas, desprendida!

5
Nos confusos recantos onde o sonho
Se espraia e vive, sem dizer seu nome.
Pulsa num coração o ritmo do mundo.

Ignorado, longe, intranqüilo,
Do grande mar, rasgando a imensidade,
Voga no vento um clamor, um grito

Que a noite guarda abandonadamente
E o coração anônimo adivinha
Além da névoa persistente, triste...

E do silêncio emerge urna voz pura,
Já liberta de lágrimas, cantando,
Na luz oculta, o despontar da vida!

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