Adélia Prado
Adélia Luzia Prado Freitas é uma escritora brasileira. Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.
1935-12-13 Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
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Todos Fazem Um Poema a Carlos Drummond de Andrade
Enquanto punha o vestido azul com margaridas amarelas
e esticava os cabelos para trás, a mulher falou alto:
é isto, eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade
apesar de nossas extraordinárias semelhanças.
E decifrou o incômodo do seu existir junto com o dele.
Vamos ambos à enciclopédia, seguiu dizendo, à cata
de constituição, e paramos em “clematite, flor lilás
de ingênuo desenho que ama desabrochar nas sebes
[europeias”.
Temos terrores noturnos, diurnos desesperos
e dias seguidos onde nada acontece.
Comemos, bebemos e diante do nosso nome impresso
temos nenhum orgulho, porque esta lembrança não deixa:
uma vez, na Avenida Afonso Pena, um bêbado gritando:
‘Todo mundo aqui é um saco de tripas’.
Carlos é gauche. A mim, várias vezes, disseram:
‘Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO’.
Um dia fizemos um verso tão perfeito
que as pessoas começaram a rir. No entanto persiste,
a partir de mim, a raiva insopitada
quando citam seu nome, lhe dedicam poemas.
Desta maneira prezo meu caderno de versos,
que é uma pergunta só, nem ao menos original:
‘Por que não nasci eu um simples vaga-lume?’
Só à ponta de fina faca, o quisto da minha inveja,
como aos mamões maduros se tiram os olhos podres.
Eu sou poeta? Eu sou?
Qualquer resposta verdadeira
e poderei amá-lo.
e esticava os cabelos para trás, a mulher falou alto:
é isto, eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade
apesar de nossas extraordinárias semelhanças.
E decifrou o incômodo do seu existir junto com o dele.
Vamos ambos à enciclopédia, seguiu dizendo, à cata
de constituição, e paramos em “clematite, flor lilás
de ingênuo desenho que ama desabrochar nas sebes
[europeias”.
Temos terrores noturnos, diurnos desesperos
e dias seguidos onde nada acontece.
Comemos, bebemos e diante do nosso nome impresso
temos nenhum orgulho, porque esta lembrança não deixa:
uma vez, na Avenida Afonso Pena, um bêbado gritando:
‘Todo mundo aqui é um saco de tripas’.
Carlos é gauche. A mim, várias vezes, disseram:
‘Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO’.
Um dia fizemos um verso tão perfeito
que as pessoas começaram a rir. No entanto persiste,
a partir de mim, a raiva insopitada
quando citam seu nome, lhe dedicam poemas.
Desta maneira prezo meu caderno de versos,
que é uma pergunta só, nem ao menos original:
‘Por que não nasci eu um simples vaga-lume?’
Só à ponta de fina faca, o quisto da minha inveja,
como aos mamões maduros se tiram os olhos podres.
Eu sou poeta? Eu sou?
Qualquer resposta verdadeira
e poderei amá-lo.
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