Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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Índia, 1951
Na Índia
de novo,
outra vez
o aroma
de frutas mortas, o
grasnido
de corvos.
Senti que se oprimia
dentro de um vaso quebrado
meu coração, ouvi
passos,
passos que morreram,
passos.
Ramagem
de raças e de túnicas,
Índia,
materna, entrelaçada,
angusta, cruel, remota,
eras a mesma.
Os grandes rios sepultando corpos,
a cor de açafrão nas colinas,
mas agora
não era minha juventude, minha solitária adolescência vagante.
Agora
as flores me esperavam,
caíram em meu colo,
e um nome,
uma carta,
uma simples sílaba
vinha
lá do cárcere para reconhecer-me.
Terras de Telenghana,
mártires, criaturas
colhidas entre
dois fogos,
as metralhadoras do governo,
os cárceres
do Nizam de Hyderabad.
Camponeses caídos
nas que já creram
terras suas,
agora
com Parlamento próprio,
sem ingleses,
e a velha miséria,
a fome
ululando nas aldeias.
Esperando,
esperando
sempre viveu a Índia,
sentada
junto ao rio do tempo,
esperando.
Passavam os guerreiros
de pés ensanguentados,
os príncipes
comedores de pérolas,
os ingleses
impassíveis,
os sacerdotes frios
como sáurios,
estudando o umbigo
da terra e do céu,
todos
devorando-te algo,
passageiros, piratas, mercenários,
e tu, mãe do mundo,
sentada junto ao rio
do tempo
fiando e esperando.
Agora os poetas,
Sirdard Jaffris ou o outro,
o magro ou o barbudo,
saíam do cárcere.
A poesia
na Índia
entrava no calabouço,
saía e regressava,
aprendendo
a liberdade entre os prisioneiros,
conhecendo
as penas,
os dialetos, as dores,
as palavras secretas
dos ensimesmados camponeses,
a queixa dolorosa,
as abertas feridas,
a doçura rebelde
que avança levantando seu estandarte
de estrelas e pombas.
Útero da terra, território
fechado em que fermentam
as uvas da História.
Antiga irmã
dos velhos planetas,
eu soube agora,
escutando os cantos nos povoados,
as iras debulhadas,
os punhos no vento,
soube
que se levantarão tuas estaturas,
que se acumulará teu poderio,
que darás a teu povo
o pão que lhe negavas,
e que já não veremos
passar detrás do ouro,
cruzar detrás do rito
deslumbrador da teogonia,
a fome com sua escova
varrendo pobres ossos e sujeiras
no lado do caminho.
Índia, levanta
tua juventude, incita
teu relógio para marcar a hora que vem.
Adianta-te e colhe
no horário o alto meio-dia.
São antigas tuas flechas.
Sobe-as à tua testa e crava
no horário teu destino.
de novo,
outra vez
o aroma
de frutas mortas, o
grasnido
de corvos.
Senti que se oprimia
dentro de um vaso quebrado
meu coração, ouvi
passos,
passos que morreram,
passos.
Ramagem
de raças e de túnicas,
Índia,
materna, entrelaçada,
angusta, cruel, remota,
eras a mesma.
Os grandes rios sepultando corpos,
a cor de açafrão nas colinas,
mas agora
não era minha juventude, minha solitária adolescência vagante.
Agora
as flores me esperavam,
caíram em meu colo,
e um nome,
uma carta,
uma simples sílaba
vinha
lá do cárcere para reconhecer-me.
Terras de Telenghana,
mártires, criaturas
colhidas entre
dois fogos,
as metralhadoras do governo,
os cárceres
do Nizam de Hyderabad.
Camponeses caídos
nas que já creram
terras suas,
agora
com Parlamento próprio,
sem ingleses,
e a velha miséria,
a fome
ululando nas aldeias.
Esperando,
esperando
sempre viveu a Índia,
sentada
junto ao rio do tempo,
esperando.
Passavam os guerreiros
de pés ensanguentados,
os príncipes
comedores de pérolas,
os ingleses
impassíveis,
os sacerdotes frios
como sáurios,
estudando o umbigo
da terra e do céu,
todos
devorando-te algo,
passageiros, piratas, mercenários,
e tu, mãe do mundo,
sentada junto ao rio
do tempo
fiando e esperando.
Agora os poetas,
Sirdard Jaffris ou o outro,
o magro ou o barbudo,
saíam do cárcere.
A poesia
na Índia
entrava no calabouço,
saía e regressava,
aprendendo
a liberdade entre os prisioneiros,
conhecendo
as penas,
os dialetos, as dores,
as palavras secretas
dos ensimesmados camponeses,
a queixa dolorosa,
as abertas feridas,
a doçura rebelde
que avança levantando seu estandarte
de estrelas e pombas.
Útero da terra, território
fechado em que fermentam
as uvas da História.
Antiga irmã
dos velhos planetas,
eu soube agora,
escutando os cantos nos povoados,
as iras debulhadas,
os punhos no vento,
soube
que se levantarão tuas estaturas,
que se acumulará teu poderio,
que darás a teu povo
o pão que lhe negavas,
e que já não veremos
passar detrás do ouro,
cruzar detrás do rito
deslumbrador da teogonia,
a fome com sua escova
varrendo pobres ossos e sujeiras
no lado do caminho.
Índia, levanta
tua juventude, incita
teu relógio para marcar a hora que vem.
Adianta-te e colhe
no horário o alto meio-dia.
São antigas tuas flechas.
Sobe-as à tua testa e crava
no horário teu destino.
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