A RUA DO PADRE INGLÊS

Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez.

Joga o xadrez da desgraça:
uma sombra na vidraça
é o seu parceiro demente.

(Entre a dama e o cavalo,
corre um rio de afogados).

De sua cama, ainda quente,
um bafo de nicotina.
Vem um cheiro de latrina
da cela defronte à sua.

Na rua do Padre Inglês
um louco fala francês
com acentos de Baudelaire...

(O flamboyant encarnado
se mistura ao espetáculo
da esquizofrênica rua).

O bispo toma o cavalo
das mãos da dama de preto.
(São cinco horas da tarde:
as luzes se apagam cedo.)

Batente do meio-fio:
vem vindo a sombra da noiva,
sozinha, morta de medo.

(O louco avista das grades
as andorinhas azuis
que voam feito morcegos.)

Na rua do Padre Inglês,
um cheiro de gasolina.

{O louco engendra seu mate
contra a sombra na vidraça.}

São cinco em ponto da tarde
(cinco de Ignacio Mejías,
pensa o louco em sua cela)
— dos girassóis de Van Gogh
à solidão amarela...

O cavalo solta as crinas,
a noiva voa na rua
e nas vozes de um menino
acordes de um violino.

O louco sabe que o tempo
de dormir já vem chegando...

(Corujas soltas na cela
bicam as flores de papel
e uma boneca de pano).

Corre, corre, vem depressa,
Que a noite já vem chegando!

Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez...
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