ORDEM ALFABÉTICA

já falei em algum canto
sobre este poema
[“a garota de belfast ordena a teus pés
alfabeticamente”]
então começo de novo
queria contar como foi o começo
beginning again
contar como comecei a escrever
este poema
peguei o livro a teus pés
e reordenei os versos
em ordem alfabética
depois peguei uma personagem do joseph brodsky
que estava em belfast
 dangerous town ele diz
ela tinha os cabelos curtinhos
para que menos partes suas sofressem
quando alguém a machucasse
a garota de belfast fez o poema
recortando os versos de ana c. que começavam
com a letra a
hoje é dia 18 de dezembro de 2013
e estamos imersos em listas e mais listas
que seguem enumerando os acontecimentos do ano
os maiores feitos e os melhores
isso foi o que eu disse para ela
mais cedo quando o telefone tocou
e estávamos as duas soterradas em tantas
listas
 o som ao redor é um grande filme
ela disse e eu concordei
mas não queria saber de listas
eu disse e pensei que hoje
é dia 18 de dezembro de 2013
e estou mais para outro tipo de enumeração
em ordem alfabética
escolha um livro de que você goste
e ordene alfabeticamente

a garota de belfast ordena a teus pés alfabeticamente

98 voltas pelo parque antes de cair em
círculos sobre o próprio peso
 98 vezes dizia o mesmo:
você pode ou não pensar em algo
definitivo. parecia a garota de belfast com
sua memória dobrada como um paraquedas
dentro do tecido eletrizado.
 enquanto falava descia a
escada lateral recortando os ruídos
da orquestra. a roda da bicicleta
girando em loop esfarelando os
reflexos no ar e seis horas parada diante
do ralo, pode ou não pensar em algo, sentada na beira do
quarto. olha de longe quando o carro
passa, desce à noite pelos trilhos
quando tudo é uma vingança
fala de pontes atravessando os túneis
da cidade e ordena a teus pés
alfabeticamente

a anoitecer sobre a cidade
a câmera em rasante
a correspondência
a curriola consolava
a dor
a espera
a intimidade era teatro
...
a tomar chá, quase na borda
a voz em off nas montanhas
abre a boca, deusa
abria a cortina
acho que é mentira

pode ou não pensar que era sua voz em mountain hill
a uma velocidade de 1 km/h ou mil. antes
de voltar para a irlanda já começara a perder. entende
que só depois de o blindex esfarinhado contra a
cabeça, só em poucos segundos até que a cabeça
contra o blindex, mas era apenas parte
do trajeto, não tinha como calcular as noites ou linhas
em que passaria.

 “como extrair o áudio de uma imagem
congelada” era a etiqueta que colava nas paredes
para tentar descobrir como chegar com precisão
e ao fundo a voz pela fresta
a ordenar este livro:

agora nessa contramão
agora chega
agora é a sua vez

agora estamos em movimento
agora pouco sentimental
agora sou profissional
água  
água na boca
agulhadas
ou vertigem das alturas. você pode acordar trinta anos
depois com a imagem ainda mais viva
quando o quarto está às cegas
as cartas
as cartas, quando chegavam
as lupas desistem
as mulheres e as crianças
asas batendo
atravessa a ponte
atravessando a grande ponte
atravessa vários túneis da cidade
autobiografia. não, biografia
aviso que vou virando um avião
azul deixo as chaves soltas no balcão
azul que não me espanta
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