Os Salmões

Olhos que pela primeira vez vêm: uma sala
onde sempre estiveram, encontrar perdida
entre montinhos de lixo e poeira uma fotografia
vender um carro usado amar uma mulher feia
ser fiel a um apartamento à beira-mar tudo o que
já tantas vezes foi feito refeito novamente feito
mansardas onde os mortos se encontram nos corredores
virei e comprarei mais um lote de sentimentos normais.

Encontrar uma mulher feia perdida no meio de um montinho
de fronhas e lençóis, vender um apartamento usado, amar
à visão de um carro encostado à beira-mar tudo isso são
novos motivos novas chances sítios distantes onde nada
acontece de verdade onde manchas castanhas sob os olhos
nada são além de cansaço, hora carmesim
dias vulgares o sol depositando pequeninas faces de perfil
duas peles insensíveis no alto das árvores.

Encontrei-me, olhos que olham, feio enroscado na cama
de algum apartamento à beira dágua com um carro
de segunda-mão encostado ao meio-fio movendo noites
pelo apalpar, a carne cede claro
sempre sede, encontrar um dia inteiro com você
uma navegação entre cachoeiras, proporções
estranhas de uma máxima realidade tudo
o que te menospreza.

Dias de fascínio, dias em que não mais
é ridículo falar de ti, lembrar os mortos
observar o que for quando for
o desovar infeliz, pobres salmões nostálgicos.

(1988)

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