Neves e Sousa

Neves e Sousa

Matosinhos
1995 São Salvador da Baía, Brasil
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Alguns Poemas

Limites dos Sete Cantos da Cidade de S Filipe de Benguela

Recreei-te em saudade e cor
Quando me afastei de ti
E os limites que te fiz
São dentro do meu sentir.

Por cima a cor neutra e desdobrada
Dum céu de cinzas de passado.

O Sombreiro como um marco
marco um lado.

As curvas nuas e douradas
de montes femininos
Nus até à cintura verde
Verde dos longos canaviais
Anunciam o limite de Benguela.

Na areia a longa e estreita ferida
Do Cavaco
Escorrendo o sangue de água
Que abre em bananais sombrios
Caminhos às fábulas de antanho
Marca outra fronteira da Cidade.

Para outro lado estende-se o sertão
Palmeiras espetadas pelo mato
Como flechas da aljava
do Soba Caparandanda
Sombreiam a curva dos caminhos
Perdidos na imensidão...

Por outro limite tem Benguela
Saudade no meu coração
E pela frente aberto e vasto
Tem este mar ardente de oiro e poentes
Este mar imenso que sorri ao longe.

Este mar imenso que também chora
E conta histórias de espumas e naufrágios,

Mar que também banha os seios jovens
Das moças que embalam sonhos
Nas sombras azuis dos quintalões

Altas paredes de adobe
Cheias de sonhos e histórias

Que viram as longas caravanas da borracha
E passos perdidos pelos caminhos sem glórias

Molhadas de lágrimas,
Salobras lágrimas
De anseios há muito mortos...
Mais amargos do que o mar
O mar salgado que chora
Cantos de não mais voltar...

Lábios de mar, feitos de espuma, beijando o céu...

Sons dos sinos da Senhora do Pópulo
(Que sabem tudo e que viram tudo,
e nunca contam nada...)
Aconchegam os amantes que se beijam
nos velhos bancos verdes do jardim...

Sob as árvores antigas
Que o vento sul esporeia
Como uma zebra azul
Feita de nuvens e céu.

Coração quente e generoso de Benguela
Bairros do Benfica, Cassôco,
Águas da Cacimba da Rua Nove
Repouso claro e lento
De luas nascidas longe
Na noite semeada de astros
Como olhos de Cazumbis,...

Na noite enorme e feiticeira da cidade

Bruxuleante do bruxedo de fogueiras
Feitas de amores velhos, carcomidos,
Adormecidos, nas velhas casas compridas.

E de fogueiras de verdade que acalentam
Ritmos de guardas da noite
tocados em quissanges melodiosos
Subtis como a própria alma da brisa
Que arranca da terra o sangue vivo
Duma pena antiga que se perde...

Noite semeada de batuques
Batuques que me parecem

O palpitar dum coração imenso
Que se esvai nas noites desdobradas
Num rosário de auroras sucessivas.

Minha Benguela nocturna e antiga
Das amplas ruas cheirando a mar
Colmeia de lembranças que me ferem
Perante a dura realidade do progresso...

Volta:
Volta para os sete limites deste sonho
Sob a grande tristeza vegetal das frondes
Cheias de mistérios ancestrais
Do meu passado que não volta mais...
Pintor e poeta.Tendo ido para Luanda com apenas nove anos, ali faria o Liceu, frequentando depois como bolseiro a Escola de Belas Artes do Porto, onde completou o curso superior de Pintura em 1952. De regresso a Angola, lá continuaria a viver uma relação de amor intenso com aquele território que palmilhou incansavelmente durante três décadas, nomeadamente como colector de etnografia ao serviço do Museu daquela então colónia. Uma relação largamente documentada pelos seus quadros, de que são famosas as numerosas «queimadas» espalhadas pelos museus do mundo que por África se interessa. De caminho, visitava os países que mais emocionavam a sua sensibilidade – Moçambique, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Brasil –, onde pintava, expunha ou simplesmente «via».Expôs também noutros países, nomeadamente França, Espanha, Itália, Inglaterra e, muitas vezes, em Portugal, mesmo já depois de ter deixado Angola, em 1975, para se radicar em São Salvador da Baía, Brasil.Poeta, tratava nos seus versos os temas angolanos da sua paixão que fazia questão de ilustrar com desenhos, como o fez logo na sua estreia na revista Portucale (Porto, 1948) com «Dez motivos angolanos», depois incluídos no seu primeiro livro, Motivos Angolanos. Assim, as poesias de Neves e Sousa tinham o valor acrescentado de serem também documentos para o estudo da antropologia cultural angolana.Está representado em numerosas antologias, nomeadamente: Antologia de Poesias Angolanas, de Maria da Conceição Nobre (Nova Lisboa, 1957); Antologia Poética Angolana, de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme (Sá da Bandeira, 1963); Nós... Somos Todos Nós, de Antero Simões (Luanda, 1969); Angolana, de Salvato Trigo (Luanda, 1974).
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