José Régio

José Régio

José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, foi um escritor português que viveu grande parte da sua vida na cidade de Portalegre.

1901-09-17 Vila do Conde
1969-12-22 Vila do Conde
260660
22
503

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
57864
228


Prémios e Movimentos

Presencismo
Gilson
A quebra dos modelos impostos muitas vezes de modo implícito, o rompimento com o trivial, o despertar para o diferente e a fuga da mesmice ficam evidentes neste belo poema.
23/agosto/2022
Sobral
Uma descrição ímpar daqueles, que desde tenra idade, tem na alma o paradoxo da chama e calmaria, da necessidade de liberdade em todos os seus aspectos e uma certeza forte de sí mesmo e de seu caminhar nesta trilha que é a vida. Polêmico, com certeza, mas originalmente destemido. Nasci alguns anos após sua partida e ele já o havia escrito para mim, porque como José, também "nunca fui por ali".
04/julho/2022
Beletrista
Sem grilhões a lhe prender, sem caminhos prontos, sem guia para qualquer coisa. Somente o eu-lírico é dono e responsável por suas decisões.
25/março/2022
Thais Oliveira
O poema da Sandra Furtado, feito antes mesmo dela nascer. Quando fazia parte do átomos da natureza .
29/dezembro/2021
INACIO ANTONIO GOMES DE LIMA
Lindo poema, que demonstra independência de espírito, livre de ser guiado ou conduzido pelos outros.
04/setembro/2021

Quem Gosta

Quem Gosta

Seguidores