António Ramos Rosa

António Ramos Rosa

António Victor Ramos Rosa, foi um poeta, português, tradutor e desenhador. Ramos Rosa estudou em Faro, não tendo acabado o ensino secundário por questões de saúde.

1924-10-17 Faro
2013-09-23 Lisboa
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Poema de Duas Faces

Quando havia antes um antigamente
havia uma esperança
agora no próprio coração da ilusão
onde a água limpa as pedras das ruínas
entre destroços límpidos
deito-me sobre a minha sombra e durmo
e durmo

Quando havia antes um amanhecer
à beira do abismo
agora no próprio coração do coração
durmo estrangulando um monstro inerme
um palhaço de palha seco e pálido
quando havia antes um caminho

Não houve nunca amigos nem pureza
nem carinhos de mãe salvam a noite
É preciso ir mais longe na incerteza
É preciso no silêncio não escutar

A manhã que eu procuro não foi sonhada
Uma árvore me ignora na raiz
Perfeitamente desesperado é o meu sonho
Os pássaros insultam-me na cama
Só com doidos com doidos amaria
perfeitamente presente na frescura
do mar

Uma casa para eu ter a humildade de ser espaço
a líquida frescura duma jarra
um passo leve e certo em cada sombra
um ninho em cada ouvido
de doces abelhas cegas

Uma casa uma caixa de música e sossego
Um violão adormecido na doçura
Um mar longínquo à volta atrás do campo
Uma inundação de verdura e espessa paz
Uma repetida e vasta constelação de grilos
e os galos alacres do silêncio
Um mar de espuma e alegria obscura
Um mar de espuma e alegria clara
entre o verde e a brisa

Na brancura dos quartos
a inocência poderá sonhar desnuda
os insectos poderão entrar
juntamente com as plantas e as aves
Uma longa asa passará
o mundo e o silêncio a mesma ave
e o mar
o mudo leão longínquo e fresco
faiscará entre o verde as lâminas solares
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