Charles Bukowski
poeta, contista e romancista estadunidense
1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
337587
9
27
Um Dia de Trabalho
Joe Mayer era escritor freelance. Estava de ressaca e o telefone acordou-o às nove horas da manhã. Ele levantou-se e atendeu.
– Alô?
– Oi, Joe. Como vai indo?
– Oh, lindo.
– Lindo, é?
– É.
– Vicki e eu acabamos de nos mudar pra nossa nova casa. Ainda não temos telefone. Mas posso lhe dar o endereço. Tem uma caneta à mão?
– Só um minuto.
Joe tomou o endereço.
– Não gostei daquele conto seu em Anjo Quente.
– Tudo bem – disse Joe.
– Não quero dizer que não gostei, quero dizer que não gostei em comparação com a maioria das outras coisas suas. A propósito, sabe onde anda Buddy Edwards? Griff Martin, que editava Histórias Quentes, está procurando ele. Achei que talvez você soubesse.
– Não sei onde ele está.
– Acho que talvez esteja no México.
– Pode ser.
– Bem, escuta, passo aí pra ver você em breve.
– Claro.
Joe desligou. Pôs dois ovos numa panela d’água, pôs a água do café para ferver e tomou um alka-seltzer. E voltou para a cama.
O telefone tornou a tocar. Ele se levantou e atendeu.
– Joe?
– Sim?
– Aqui é Eddie Greer.
– Ah, sim.
– Queremos que você faça um recital beneficente...
– Que é?
– Pro I.R.A.
– Escuta, Eddie, eu não me ligo em política nem religião, nem seja lá no que for. Realmente não sei o que está acontecendo por lá. Não tenho TV, não leio jornais... nada disso. Não sei quem está certo ou errado, se é que isso existe.
– A Inglaterra está errada, cara.
– Não posso fazer recital pro I.R.A., Eddie.
– Tudo bem então...
Os ovos estavam prontos. Ele se sentou, descascou-os, pôs pão na torradeira e diluiu o Sanka com água quente. Comeu os ovos e a torrada e tomou dois cafés. Depois voltou para a cama.
Já ia dormir quando o telefone tornou a tocar. Levantou-se e atendeu.
– Sr. Mayer?
– Sim?
– Eu me chamo Mike Haven, sou amigo de Stuart Irving. Nós publicamos juntos em Mula de Pedra, quando Mula de Pedra era editada em Salt Lake City.
– Sim?
– Eu cheguei de Montana e fico aqui uma semana. Estou no Hotel Sheraton na cidade. Gostaria de fazer uma visita e conversar com você.
– Hoje é um mau dia, Mike.
– Bem, talvez eu possa passar depois, esta semana.
– É, por que não liga depois?
– Sabe, Joe, eu escrevo como você, poesia e prosa. Quero levar alguns trabalhos meus e ler pra você. Você vai ficar surpreso. Meu material é realmente forte.
– Ah, é?
– Você vai ver.
Depois foi o carteiro. Uma carta. Joe leu-a:
Caro sr. Mayer:
Peguei seu endereço com Sylvia, a quem o senhor escrevia, para Paris, há muitos anos. Sylvia ainda está viva em San Francisco e ainda escreve seus poemas doidos, proféticos e angelicais. Estou morando em Los Angeles agora e adoraria ir visitar o senhor! Por favor, diga-me quando estaria bem para o senhor.
amor, Diana.
Ele despiu o roupão e vestiu-se. O telefone tornou a tocar. Ele foi até lá, olhou-o e não atendeu. Saiu, entrou no carro e dirigiu-se a Santa Anita. Dirigia devagar. Ligou o rádio e sintonizou uma música sinfônica. Não estava muito nublado. Desceu o Sunset, pegou o atalho favorito, subiu o morro em direção a Chinatown, passando pelo Anexo, pelo Little Joe, Chinatown, e pegou o trecho tranquilo ao lado dos pátios da ferrovia, olhando os vagões marrons lá embaixo. Se soubesse pintar, gostaria de pegar aquilo. Talvez os pintasse mesmo assim. Subiu a Broadway e pegou Huntington Drive para ir ao hipódromo. Comprou um sanduíche de carne em conserva e um café, abriu o programa das corridas e sentou-se. Parecia uma boa cartada.
Pegou Rosalina no primeiro a 10,80 dólares, Wife’s Objection no segundo a 9,20 e cravou-os na dupla diária por 48,40. Teve um ganho de 25 dólares em Rosalina e de cinco em Wife’s Objection, e assim faturou 73,20. Perdeu em Sweetott, ficou em segundo com Harbor Point, segundo com Pitch Out, segundo com Brannan, todas apostas na cabeça, e estava com um lucro de 48,20 quando teve um ganho de 20 dólares em Southern Cream, que o levou de volta a 73,20.
Não estava ruim no hipódromo. Só encontrou três conhecidos. Operários de fábrica. Negros. Dos velhos tempos.
A oitava corrida foi o problema. Cougar, que estava pagando 128, corria contra Unconscious, pagando 123. Joe não considerou os outros na corrida. Não conseguia decidir-se. Cougar estava 3 a 5, e Unconscious, 7 a 2. Estando com um ganho de 73,20, ele achou que podia se dar ao luxo de apostar no 3 a 5. Apostou 30 dólares. Cougar partiu mole, como se corresse numa vala. Quando chegou na metade da primeira volta, estava dezessete corpos atrás do cavalo da frente. Joe sabia que pegara um perdedor. No fim, seu 3 a 5 ficou cinco corpos atrás e a corrida acabou.
Ele pôs 10 e 10 em Barbizon Jr. e Lost at Sea no nono, perdeu e saiu com 23,20. Era mais fácil colher tomates. Entrou em seu velho carro e voltou devagar...
Quando entrava na banheira, a campainha da porta tocou. Ele se enxugou e enfiou a camisa e as calças. Era Max Billinghouse. Max tinha vinte e poucos anos, não tinha dentes, era ruivo. Trabalhava como faxineiro e sempre usava blue jeans e uma camiseta branca suja. Sentou-se numa cadeira e cruzou as pernas.
– Bem, Mayer, que é que há?
– Que quer dizer?
– Quero dizer: está sobrevivendo com sua literatura?
– No momento.
– Tem alguma novidade?
– Não desde que você esteve aqui na semana passada.
– Como foi seu recital de poesia?
– Foi tudo bem.
– A turma que vai a recital de poesia é bem falsa.
– A maioria das turmas é.
– Tem algum doce? – perguntou Max.
– Doce?
– É, eu tenho mania de doces. Tenho mania de doces.
– Não tenho nenhum doce.
Max levantou-se e foi até a cozinha. Voltou com um tomate e duas fatias de pão. Sentou-se.
– Nossa, você não tem nada pra comer por aqui.
– Vou ter de ir ao supermercado.
– Sabe – disse Max –, se eu tivesse de ler diante de uma multidão, na verdade insultava eles, ia ferir os sentimentos deles.
– Podia.
– Mas eu não sei escrever. Acho que vou andar por aí com um gravador. Às vezes converso comigo mesmo quando estou trabalhando. Depois posso escrever o que digo e fazer um conto.
Max era homem de hora e meia. Servia para uma hora e meia. Jamais ouvia, só falava. Após uma hora e meia, levantou-se.
– Bem, tenho de ir andando.
– Tudo bem, Max.
Max saiu. Sempre falava das mesmas coisas. Que insultara pessoas num ônibus. Que uma vez se encontrara com Charles Manson. Que um homem estava mais bem servido com uma prostituta que com uma mulher honesta. Tinha sexo na cabeça. Não precisava de roupas novas, de carro novo. Era um solitário. Não precisava das pessoas.
Joe foi à cozinha, pegou uma lata de atum e fez três sanduíches. Pegou a garrafa de uísque que vinha poupando e serviu uma boa dose com água. Ligou o rádio na estação de clássicos. “Danúbio Azul”. Desligou-o. Acabaram os sanduíches. A campainha tocou. Joe foi até a porta e abriu-a. Era Hymie. Hymie tinha um emprego mole em algum lugar de algum governo municipal perto de Los Angeles. Era poeta.
– Escuta – ele disse –, aquele livro que estava pensando, Antologia de poetas de Los Angeles, vamos esquecer.
– Tudo bem.
Hymie sentou-se.
– Precisamos de um novo título. Acho que eu tenho. Perdão aos fomentadores da guerra. Pense nisso.
– Acho que gosto – disse Joe.
– E podemos dizer: “Este livro é para Franco, Lee Harvey Oswald e Adolf Hitler”. Ora, eu sou judeu, logo isso exige alguma coragem. Que acha?
– Parece bom.
Hymie levantou-se e fez sua imitação de um judeu gordo típico dos velhos tempos, um judeu muito gordo. Deu uma cuspida e sentou-se. Era muito engraçado. Era o homem mais engraçado que Hymie conhecia. Servia por uma hora. Após uma hora, levantou-se e foi embora. Sempre falava das mesmas coisas. Que a maioria dos poetas era ruim. Que era trágico, tão trágico que tinha graça. Que se ia fazer?
Joe tomou outro bom uísque com água e foi para a máquina de escrever. Bateu duas linhas, e o telefone tocou. Era Dunning no hospital. Dunning bebia muita cerveja. Cumprira seus vinte anos no exército. O pai de Dunning tinha sido editor de uma revistinha famosa. Morrera em junho. A esposa de Dunning era ambiciosa. Pressionara-o para ser médico, muito. Ele conseguira ser quiropaxista. E trabalhava como enfermeiro tentando economizar oito ou dez mil dólares para uma máquina de raios x.
– Que tal eu aparecer pra tomar umas cervejas com você? – perguntou Dunning.
– Escuta, podemos adiar isso? – perguntou Joe.
– Que é que há? Está escrevendo?
– Mal comecei.
– Tudo bem, eu espero.
– Obrigado, Dunning.
Joe sentou-se à máquina de escrever. Não estava mal. Chegou ao meio da página, quando ouviu passos. Depois uma batida. Abriu a porta.
Eram dois rapazinhos. Um de barba negra, o outro barbeado.
O rapaz de barba disse:
– Vi você em seu último recital.
– Entre – disse Joe.
Entraram. Tinham seis garrafas de cerveja importada, casco verde.
– Vou pegar um abridor – disse Joe.
Ficaram ali sentados mamando a cerveja.
– Foi um bom recital – disse o rapaz de barba.
– Quem foi sua maior influência? – perguntou o sem barba.
– Jeffers. Poemas mais longos. Tamar. Garanhão Ruão. Por aí.
– Alguma coisa nova em literatura que lhe interesse?
– Não.
– Dizem que você está saindo da marginalidade, que faz parte do establishment . Que acha disso?
– Nada.
Houve outras perguntas do mesmo tipo. Os rapazes não aguentavam mais do que uma cerveja por cabeça. Joe cuidou das outras quatro. Eles partiram em 45 minutos.
Mas o sem barba disse, quando saíam:
– A gente volta.
Joe tornou a sentar-se à máquina de escrever com uma nova bebida. Não conseguia bater. Levantou-se e foi ao telefone.
Discou. E esperou. Ela estava em casa. Respondeu.
– Escuta – disse Joe –, me deixa sair daqui. Me deixa ir aí dar uma foda.
– Quer dizer que pretende passar a noite?
– É.
– De novo?
– É, de novo.
– Tudo bem.
Joe foi até o canto da varanda e desceu a rampa da garagem. Ela morava três ou quatro casas abaixo. Ele bateu. Lu deixou-o entrar.
Luzes apagadas. Ela estava só de calcinha e levou-o para a cama.
– Deus – ele gemeu.
– Que foi?
– Bem, é tudo inexplicável de certa forma, ou quase inexplicável.
– E só tirar a roupa e vir pra cama.
Joe fez isso. Deitou-se. A princípio não sabia se ia funcionar de novo. Tantas noites seguidas. Mas o corpo dela estava ali e era jovem. E os lábios abertos e concretos. Joe flutuava. Era bom estar no escuro. Ele malhou-a bem. Chegou a baixar lá embaixo e meter a língua na xoxota. Depois, quando montou, após quatro ou cinco estocadas, ouviu uma voz...
– Mayer... estou procurando um certo Joe Mayer... – Ouviu a voz do senhorio. O senhorio estava bêbado.
– Bem, se ele não está nesse apartamento de frente, verifique aquele de trás. Ele está num ou noutro.
Joe deu quatro ou cinco estocadas até começarem as batidas na porta. Ele escorregou para fora e, nu, foi à porta. Abriu uma janela lateral.
– Sim?
– Ei, Joe! Oi, que anda fazendo, Joe?
– Nada.
– Bem, que tal uma cervejinha, Joe?
– Não – disse Joe.
Bateu a janela lateral e voltou para a cama.
– Quem era? – ela perguntou.
– Não sei. Não reconheci o rosto.
– Me beija, Joe. Não fique aí deitado.
Ele beijou-a, enquanto a lua do sul da Califórnia atravessava as cortinas do sul da Califórnia. Era Joe Mayer. Escritor freelance.
Conseguiu.
– Numa fria
– Alô?
– Oi, Joe. Como vai indo?
– Oh, lindo.
– Lindo, é?
– É.
– Vicki e eu acabamos de nos mudar pra nossa nova casa. Ainda não temos telefone. Mas posso lhe dar o endereço. Tem uma caneta à mão?
– Só um minuto.
Joe tomou o endereço.
– Não gostei daquele conto seu em Anjo Quente.
– Tudo bem – disse Joe.
– Não quero dizer que não gostei, quero dizer que não gostei em comparação com a maioria das outras coisas suas. A propósito, sabe onde anda Buddy Edwards? Griff Martin, que editava Histórias Quentes, está procurando ele. Achei que talvez você soubesse.
– Não sei onde ele está.
– Acho que talvez esteja no México.
– Pode ser.
– Bem, escuta, passo aí pra ver você em breve.
– Claro.
Joe desligou. Pôs dois ovos numa panela d’água, pôs a água do café para ferver e tomou um alka-seltzer. E voltou para a cama.
O telefone tornou a tocar. Ele se levantou e atendeu.
– Joe?
– Sim?
– Aqui é Eddie Greer.
– Ah, sim.
– Queremos que você faça um recital beneficente...
– Que é?
– Pro I.R.A.
– Escuta, Eddie, eu não me ligo em política nem religião, nem seja lá no que for. Realmente não sei o que está acontecendo por lá. Não tenho TV, não leio jornais... nada disso. Não sei quem está certo ou errado, se é que isso existe.
– A Inglaterra está errada, cara.
– Não posso fazer recital pro I.R.A., Eddie.
– Tudo bem então...
Os ovos estavam prontos. Ele se sentou, descascou-os, pôs pão na torradeira e diluiu o Sanka com água quente. Comeu os ovos e a torrada e tomou dois cafés. Depois voltou para a cama.
Já ia dormir quando o telefone tornou a tocar. Levantou-se e atendeu.
– Sr. Mayer?
– Sim?
– Eu me chamo Mike Haven, sou amigo de Stuart Irving. Nós publicamos juntos em Mula de Pedra, quando Mula de Pedra era editada em Salt Lake City.
– Sim?
– Eu cheguei de Montana e fico aqui uma semana. Estou no Hotel Sheraton na cidade. Gostaria de fazer uma visita e conversar com você.
– Hoje é um mau dia, Mike.
– Bem, talvez eu possa passar depois, esta semana.
– É, por que não liga depois?
– Sabe, Joe, eu escrevo como você, poesia e prosa. Quero levar alguns trabalhos meus e ler pra você. Você vai ficar surpreso. Meu material é realmente forte.
– Ah, é?
– Você vai ver.
Depois foi o carteiro. Uma carta. Joe leu-a:
Caro sr. Mayer:
Peguei seu endereço com Sylvia, a quem o senhor escrevia, para Paris, há muitos anos. Sylvia ainda está viva em San Francisco e ainda escreve seus poemas doidos, proféticos e angelicais. Estou morando em Los Angeles agora e adoraria ir visitar o senhor! Por favor, diga-me quando estaria bem para o senhor.
amor, Diana.
Ele despiu o roupão e vestiu-se. O telefone tornou a tocar. Ele foi até lá, olhou-o e não atendeu. Saiu, entrou no carro e dirigiu-se a Santa Anita. Dirigia devagar. Ligou o rádio e sintonizou uma música sinfônica. Não estava muito nublado. Desceu o Sunset, pegou o atalho favorito, subiu o morro em direção a Chinatown, passando pelo Anexo, pelo Little Joe, Chinatown, e pegou o trecho tranquilo ao lado dos pátios da ferrovia, olhando os vagões marrons lá embaixo. Se soubesse pintar, gostaria de pegar aquilo. Talvez os pintasse mesmo assim. Subiu a Broadway e pegou Huntington Drive para ir ao hipódromo. Comprou um sanduíche de carne em conserva e um café, abriu o programa das corridas e sentou-se. Parecia uma boa cartada.
Pegou Rosalina no primeiro a 10,80 dólares, Wife’s Objection no segundo a 9,20 e cravou-os na dupla diária por 48,40. Teve um ganho de 25 dólares em Rosalina e de cinco em Wife’s Objection, e assim faturou 73,20. Perdeu em Sweetott, ficou em segundo com Harbor Point, segundo com Pitch Out, segundo com Brannan, todas apostas na cabeça, e estava com um lucro de 48,20 quando teve um ganho de 20 dólares em Southern Cream, que o levou de volta a 73,20.
Não estava ruim no hipódromo. Só encontrou três conhecidos. Operários de fábrica. Negros. Dos velhos tempos.
A oitava corrida foi o problema. Cougar, que estava pagando 128, corria contra Unconscious, pagando 123. Joe não considerou os outros na corrida. Não conseguia decidir-se. Cougar estava 3 a 5, e Unconscious, 7 a 2. Estando com um ganho de 73,20, ele achou que podia se dar ao luxo de apostar no 3 a 5. Apostou 30 dólares. Cougar partiu mole, como se corresse numa vala. Quando chegou na metade da primeira volta, estava dezessete corpos atrás do cavalo da frente. Joe sabia que pegara um perdedor. No fim, seu 3 a 5 ficou cinco corpos atrás e a corrida acabou.
Ele pôs 10 e 10 em Barbizon Jr. e Lost at Sea no nono, perdeu e saiu com 23,20. Era mais fácil colher tomates. Entrou em seu velho carro e voltou devagar...
Quando entrava na banheira, a campainha da porta tocou. Ele se enxugou e enfiou a camisa e as calças. Era Max Billinghouse. Max tinha vinte e poucos anos, não tinha dentes, era ruivo. Trabalhava como faxineiro e sempre usava blue jeans e uma camiseta branca suja. Sentou-se numa cadeira e cruzou as pernas.
– Bem, Mayer, que é que há?
– Que quer dizer?
– Quero dizer: está sobrevivendo com sua literatura?
– No momento.
– Tem alguma novidade?
– Não desde que você esteve aqui na semana passada.
– Como foi seu recital de poesia?
– Foi tudo bem.
– A turma que vai a recital de poesia é bem falsa.
– A maioria das turmas é.
– Tem algum doce? – perguntou Max.
– Doce?
– É, eu tenho mania de doces. Tenho mania de doces.
– Não tenho nenhum doce.
Max levantou-se e foi até a cozinha. Voltou com um tomate e duas fatias de pão. Sentou-se.
– Nossa, você não tem nada pra comer por aqui.
– Vou ter de ir ao supermercado.
– Sabe – disse Max –, se eu tivesse de ler diante de uma multidão, na verdade insultava eles, ia ferir os sentimentos deles.
– Podia.
– Mas eu não sei escrever. Acho que vou andar por aí com um gravador. Às vezes converso comigo mesmo quando estou trabalhando. Depois posso escrever o que digo e fazer um conto.
Max era homem de hora e meia. Servia para uma hora e meia. Jamais ouvia, só falava. Após uma hora e meia, levantou-se.
– Bem, tenho de ir andando.
– Tudo bem, Max.
Max saiu. Sempre falava das mesmas coisas. Que insultara pessoas num ônibus. Que uma vez se encontrara com Charles Manson. Que um homem estava mais bem servido com uma prostituta que com uma mulher honesta. Tinha sexo na cabeça. Não precisava de roupas novas, de carro novo. Era um solitário. Não precisava das pessoas.
Joe foi à cozinha, pegou uma lata de atum e fez três sanduíches. Pegou a garrafa de uísque que vinha poupando e serviu uma boa dose com água. Ligou o rádio na estação de clássicos. “Danúbio Azul”. Desligou-o. Acabaram os sanduíches. A campainha tocou. Joe foi até a porta e abriu-a. Era Hymie. Hymie tinha um emprego mole em algum lugar de algum governo municipal perto de Los Angeles. Era poeta.
– Escuta – ele disse –, aquele livro que estava pensando, Antologia de poetas de Los Angeles, vamos esquecer.
– Tudo bem.
Hymie sentou-se.
– Precisamos de um novo título. Acho que eu tenho. Perdão aos fomentadores da guerra. Pense nisso.
– Acho que gosto – disse Joe.
– E podemos dizer: “Este livro é para Franco, Lee Harvey Oswald e Adolf Hitler”. Ora, eu sou judeu, logo isso exige alguma coragem. Que acha?
– Parece bom.
Hymie levantou-se e fez sua imitação de um judeu gordo típico dos velhos tempos, um judeu muito gordo. Deu uma cuspida e sentou-se. Era muito engraçado. Era o homem mais engraçado que Hymie conhecia. Servia por uma hora. Após uma hora, levantou-se e foi embora. Sempre falava das mesmas coisas. Que a maioria dos poetas era ruim. Que era trágico, tão trágico que tinha graça. Que se ia fazer?
Joe tomou outro bom uísque com água e foi para a máquina de escrever. Bateu duas linhas, e o telefone tocou. Era Dunning no hospital. Dunning bebia muita cerveja. Cumprira seus vinte anos no exército. O pai de Dunning tinha sido editor de uma revistinha famosa. Morrera em junho. A esposa de Dunning era ambiciosa. Pressionara-o para ser médico, muito. Ele conseguira ser quiropaxista. E trabalhava como enfermeiro tentando economizar oito ou dez mil dólares para uma máquina de raios x.
– Que tal eu aparecer pra tomar umas cervejas com você? – perguntou Dunning.
– Escuta, podemos adiar isso? – perguntou Joe.
– Que é que há? Está escrevendo?
– Mal comecei.
– Tudo bem, eu espero.
– Obrigado, Dunning.
Joe sentou-se à máquina de escrever. Não estava mal. Chegou ao meio da página, quando ouviu passos. Depois uma batida. Abriu a porta.
Eram dois rapazinhos. Um de barba negra, o outro barbeado.
O rapaz de barba disse:
– Vi você em seu último recital.
– Entre – disse Joe.
Entraram. Tinham seis garrafas de cerveja importada, casco verde.
– Vou pegar um abridor – disse Joe.
Ficaram ali sentados mamando a cerveja.
– Foi um bom recital – disse o rapaz de barba.
– Quem foi sua maior influência? – perguntou o sem barba.
– Jeffers. Poemas mais longos. Tamar. Garanhão Ruão. Por aí.
– Alguma coisa nova em literatura que lhe interesse?
– Não.
– Dizem que você está saindo da marginalidade, que faz parte do establishment . Que acha disso?
– Nada.
Houve outras perguntas do mesmo tipo. Os rapazes não aguentavam mais do que uma cerveja por cabeça. Joe cuidou das outras quatro. Eles partiram em 45 minutos.
Mas o sem barba disse, quando saíam:
– A gente volta.
Joe tornou a sentar-se à máquina de escrever com uma nova bebida. Não conseguia bater. Levantou-se e foi ao telefone.
Discou. E esperou. Ela estava em casa. Respondeu.
– Escuta – disse Joe –, me deixa sair daqui. Me deixa ir aí dar uma foda.
– Quer dizer que pretende passar a noite?
– É.
– De novo?
– É, de novo.
– Tudo bem.
Joe foi até o canto da varanda e desceu a rampa da garagem. Ela morava três ou quatro casas abaixo. Ele bateu. Lu deixou-o entrar.
Luzes apagadas. Ela estava só de calcinha e levou-o para a cama.
– Deus – ele gemeu.
– Que foi?
– Bem, é tudo inexplicável de certa forma, ou quase inexplicável.
– E só tirar a roupa e vir pra cama.
Joe fez isso. Deitou-se. A princípio não sabia se ia funcionar de novo. Tantas noites seguidas. Mas o corpo dela estava ali e era jovem. E os lábios abertos e concretos. Joe flutuava. Era bom estar no escuro. Ele malhou-a bem. Chegou a baixar lá embaixo e meter a língua na xoxota. Depois, quando montou, após quatro ou cinco estocadas, ouviu uma voz...
– Mayer... estou procurando um certo Joe Mayer... – Ouviu a voz do senhorio. O senhorio estava bêbado.
– Bem, se ele não está nesse apartamento de frente, verifique aquele de trás. Ele está num ou noutro.
Joe deu quatro ou cinco estocadas até começarem as batidas na porta. Ele escorregou para fora e, nu, foi à porta. Abriu uma janela lateral.
– Sim?
– Ei, Joe! Oi, que anda fazendo, Joe?
– Nada.
– Bem, que tal uma cervejinha, Joe?
– Não – disse Joe.
Bateu a janela lateral e voltou para a cama.
– Quem era? – ela perguntou.
– Não sei. Não reconheci o rosto.
– Me beija, Joe. Não fique aí deitado.
Ele beijou-a, enquanto a lua do sul da Califórnia atravessava as cortinas do sul da Califórnia. Era Joe Mayer. Escritor freelance.
Conseguiu.
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