Herberto Helder

Herberto Helder

Herberto Helder de Oliveira foi um poeta português, considerado por alguns o 'maior poeta português da segunda metade do século XX' e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa.

1930-11-23 Funchal
2015-03-23 Cascais
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porque já me não lavo,
porque desde os oitenta só me lavava em água soberba
(água que não há)
porque mal acordo tenho muita pressa e vou correndo ver
se o sonho bate certo
(com que pode bater certo sonho tão limpo?)
porque o mundo seria turvo e eu não me curvaria nunca,
e então não me lavo,
ileso o corpo,
sôpro que me tinha no ar,
impalpável tecido de um jogo,
o sentimento de não haver nenhum tempo
senão aquele mesmo nenhum que era sempre:
à noite vinha o orvalho,
manhã muito cedo era só sossego,
depois a erva estremecia e moviam-se as colinas
para sítios que ninguém sabia,
depois a gente banhava-se que era tudo quanto se podia ver
em cima do universo:
a terra não tinha costuras,
nem secreto e aberto, nem dentro e fora, nem sujo e limpo,
nem ninguém tomava banho senão aquilo:
estou tão lavado que estremeço de tudo o igual a mim mesmo,
limpo tanto que mete medo desde o chão ao imenso arco
do abraço com aquilo sossêgo:
nome de banho senão êste:
externo extenso extremo
escrito tão magno
tamanho banho:
denominação: dominação de tudo
— nome é baptismo,
imo é o sítio
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