Alguns Poemas

Gregório de Mattos, 360 Anos

Por Fernando da Rocha Peres
Insinua-se nas dobras do tempo, a obra de Gregório de Mattos e Guerra (1636-1695), a despeito de jamais ter sido autografada pelo poeta. Sombras encobriram os escritos hoje atribuídos ao baiano filho de portugueses, entre o século XVII, quando ele viveu e circularam seus poemas satíricos pregados às escondidas por anônimos nas paredes de prédios públicos, e o século XVIII, no qual copistas os perenizaram em códices apógrafos. Neste final do século XX, já há mais luzes sobre a vida e o legado gregorianos. Cronista da sociedade seiscentista, intérprete crítico do seu tempo, religioso, lírico, herético, Gregório de Mattos e Guerra estava longe de ser figura unânime na sociedade seiscentista. O que, como defende João Carlos Teixeira Gomes, estudioso da obra do poeta, talvez o tenha impedido publicar em Portugal seus poemas "bem comportados". Tais desmedidas motivaram preconceitos contra a poesia satírica, erótica e escatológica de Gregório de Mattos até o início deste século, como observa o historiador Fernando da Rocha Peres. O resgate do corpus gregoriano só viria a ocorrer com o lançamento de Gregório de Mattos — Obra Poética, organizada por James Amado, em 1968, hoje disponível em dois volumes pela editora Record. As portas do século XXI, Gregório de Mattos está em voga, através de mídias inimagináveis no período em que viveu. Ele navegará no cyberspace da Internet através de uma home-page, com textos sobre o poeta, poemas em português e vertidos para o alemão, chinês e italiano, bibliografia básica e material iconográfico. Seus poemas ganharam o suporte de um compact disc, na voz da atriz Nilda Spencer. Seu nome foi refrão de um rap defendido pelo cineasta Edgard Navarro num festival de música popular. Proliferam as publicações acerca do poeta e sua obra, tendo sido a mais recente de autoria da professora da UFBA e dramaturga Cleise F. Mendes. Há 360 anos de seu nascimento, Gregório de Mattos e Guerra é, mais do que nunca, personagem para o futuro. Em torno da data e com o tema o poeta renasce a cada ano. No evento, serão lançados carimbo comemorativo da data, o livro Sete poemas, de amor e desespero, de Maria dos Povos, à partida do poeta Gregório de Mattos para o degredo em Angola, de Myriam Fraga (edições Macunaíma) e o CD Boca do Inferno, coordenado por Maria da Conceição Paranhos, com interpretação de Nilda Spencer e música de Nico Rezende (edições Cidade da Luz). Organizador do evento, o historiador e poeta Fernando da Rocha Peres, aborda adiante, em entrevista, fatos documentados e lendas relativas a Gregório de Mattos e Guerra, revelando que a aproximação temática entre a obra do poeta do século XVII e a do seu contemporâneo, o padre Antônio Vieira, será tema de seus próximos estudos.
Ao que parece, novos dados biográficos sobre Gregório de Mattos estão condicionados ao aparecimento de novos documentos. Por que alguns registros-chave, como o de batismo e óbito do poeta não são encontrados?
F.R.P. - As lacunas sobre a vida de Gregório de Mattos de certo modo já foram preenchidas, quando fiz a revisão da biografia escrita no século XVIII por Manuel Pereira Rabelo. Se estes dados, de registro de nascimento e óbito, não foram encontrados é porque essa documentação deve ter perecido. A certidão de batismo deveria estar aqui, no arquivo da cúria metropolitana, e hoje não se encontra mais. O registro de óbito deveria estar em Recife, onde ele faleceu. Eu estive pesquisando aqui na Bahia, em Pernambuco, em Portugal e o que pude encontrar sobre Gregório de Mattos foi, como disse Antônio Houaiss, o suficiente para uma reescritura da biografia do poeta. Creio que a data de nascimento e a de morte já estão suficientemente fixadas.
Nestes 13 anos desde a publicação da revisão biográfica de Gregório de Mattos, de sua autoria, surgiram muitos dados novos? O que poderia ser acrescentado em uma nova edição?
F.R.P. - Esses fatos novos já surgiram e foram acrescentados em outras publicações que fiz. Alguns documentos estão, como costumo dizer, na encubadora, porque, em verdade, um trabalho em cima de fontes primárias é um trabalho lento. Temos que checar as informações documentais de todas as maneiras possíveis. De 1983 para cá, muita coisa já foi acrescentada. Por exemplo, o fato de Gregório de Mattos ter sido provedor da Santa Casa de Misericórdia de uma vila portuguesa, Alcácias do Sal, onde ele foi juiz de fora. A descoberta de uma terceira sentença dele, publicada pelo jurista do século XVII Emanuel Alvares Pegas. O levantamento que fiz mais sistemático sobre a família extensiva do poeta, da questão referente ao processo inquisitorial contra ele, de 1865. Todos esses dados serão acrescidos a uma nova edição ou, quem sabe, a um desenho novo do poeta.
Que tipo de documentação se encontra no Brasil? Há informações sobre a passagem do poeta no Colégio da Bahia, dos jesuítas?
F.R.P. - Infelizmente não existe nada, porque quando os jesuítas saíram daqui, no século XVIII, deixaram a biblioteca e o arquivo. Vilhena, cronista da Bahia do século XVIII, nos informa que os papéis do colégio foram vendidos para serem usados como embrulho de gêneros na área do Terreiro de Jesus e no Pelourinho. Toda documentação primária, levantei basicamente em Portugal, em Coimbra e em Lisboa. Há aqui um registro no arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, quando ele entrou para irmão da Santa Casa. Este é o único documento primário. As outras informações relativas a Gregório existentes na Bahia, estão, algumas delas, publicadas nas atas e cartas dá Câmara da Cidade do Salvador, hoje a Câmara de Vereadores. Há muita informação sobre ele, que foi Procurador da Bahia, defendeu os interesses dos proprietários de engenho de cana e defendeu o quanto pode a criação de uma universidade na Bahia, no século XVII. Registros não só dele, também de seu pai, avô, e irmãos estavam em documentos cujos originais já não existem mais, mas por sorte foram Publicados pela Prefeitura Municipal da Cidade de Salvador.
E sobre o magistrado Gregório de Mattos?
F.R.P. - Sobre o juiz de fora, juiz do cível, representante do Brasil nas cortes, há documentação em Portugal — na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional de Lisboa. É o caso do documento do casamento dele em Lisboa, que era absolutamente ignorado. É um documento autógrafo no qual ele diz ter 25 anos, em 1661, o que resolveu a questão da data de nascimento. Outro documento precioso é o de batismo de uma filha natural que ele teve em Lisboa, com uma mulher chamada Francisca. Os arquivos portugueses são organizados. No Brasil, lamentavelmente, não guardaram essa documentação dos séculos XVI e XVII. Está quase toda ela destruída pelo tempo, pela umidade, pelos insetos, pelos fungos, pelo desleixo.
Há pesquisadores portugueses debruçados sobre a biografia de Gregório de Mattos?
F.R.P. - Sobre a biografia, não que eu saiba. Está havendo hoje em Portugal e, podemos dizer, em grande parte da Europa — na Itália, Alemanha, Noruega, Espanha — um interesse pela obra do poeta. Pela obra apógrafa que ficou guardada nos manuscritos existentes em Portugal, no Brasil, na Biblioteca Nacional, e pelo manuscrito agora existente na Bahia, datado de 1775. São manuscritos feitos por copistas portugueses ou baianos. Acredito que os documentos fundamentais já estejam suficientemente assentados, levantados. Mas, poderá surgir, em um ou outro arquivo ainda não organizado, público ou particular, uma documentação que venha a esclarecer determinados detalhes da vida de Gregório de Mattos.
Há uma polêmica entre críticos, quanto a situar Gregório de Mattos com poeta brasileiro. É possível que expressões do nosso vernáculo e a incorporação de vocábulos africanos e indígenas — elementos presentes nos poemas de Gregório — tenham ocorrido nos apógrafos e não partido do poeta?
F.R.P. - Não, evidentemente estes poemas, na sua grande maio

Fatos Documentados

Revisão de Gregório

(entrevista concedida ao jornal A Tarde)
O historiador e poeta Fernando da Rocha Peres, aborda adiante, em entrevista, fatos documentados e lendas relativas a Gregório de Mattos e Guerra, revelando que aaproximação temática entre a obra do poeta doséculo XVII e a do seu contemporâneo, o padre Antônio Vieira, será tema de seus próximos estudos.
P - Ao que parece, novos dados biográficos sobre Gregório de Mattos estão condicionados ao aparecimento de novos documentos. Por que alguns registros-chave, como o de batismo e óbito do poeta não são encontrados?
R - As lacunas sobre a vida de Gregório de Mattos de certo modo já foram preenchidas, quando fiz a revisão da biografia escrita no século XVIII por Manuel Pereira Rabelo. Se estes dados, de registro de nascimento e óbito, não foram encontrados é porque essa documentação deve ter perecido. A certidão de batismo deveria estar aqui, no arquivo da cúria metropolitana, e hoje não se encontra mais. O registro de óbito deveria estar em Recife, onde ele faleceu. Eu estive pesquisando aqui na Bahia, em Pernambuco, em Portugal e o que pude encontrar sobre Gregório de Mattos foi, como disse Antônio Houaiss, o suficiente para uma reescritura da biografia do poeta. Creio que a data de nascimento e a de morte já estão suficientemente fixadas.
P - Nestes 13 anos desde a publicação da revisão biográfica de Gregório de Mattos, de sua autoria, surgiram muitos dados novos?
O que poderia ser acrescentado em uma nova edição?
R - Esses fatos novos já surgiram e foram acrescentados em outras publicações que fiz. Alguns documentos estão, como costumo dizer, na encubadora, porque, em verdade, um trabalho em cima de fontes primárias é um trabalho lento. Temos que checar as informações documentais de todas as maneiras possíveis. De 1983 para cá, muita coisa já foi acrescentada. Por exemplo, o fato de Gregório de Mattos ter sido provedor da Santa Casa de Misericórdia de uma vila portuguesa, Alcácias do Sal, onde ele foi juiz de fora. A descoberta de uma terceira sentença dele, publicada pelo jurista do século XVII Emanuel Alvares Pegas. O levantamento que fiz mais sistemático sobre a família extensiva do poeta, da questão referente ao processo inquisitorial contra ele, de 1685. Todos esses dados serão acrescidos a uma nova edição ou, quem sabe, a um desenho novo do poeta.
P - Que tipo de documentação se encontra no Brasil? Há informações sobre a passagem do poeta no Colégio da Bahia, dos jesuítas?
R - Infelizmente não existe nada, porque quando os jesuítas saíram daqui, no século XVIII, deixaram a biblioteca e o arquivo. Vilhena, cronista da Bahia do século XVIII, nos informa que os papéis do colégio foram vendidos para serem usados como embrulho de gêneros na área do Terreiro de Jesus e no Pelourinho. Toda documentação primária, levantei basicamente em Portugal, em Coimbra e em Lisboa. Há aqui um registro no arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, quando ele entrou para irmão da Santa Casa. Este é o único documento primário. As outras informações relativas a Gregório existentes na Bahia estão, algumas delas, publicadas nas atas e cartas da Câmara da Cidade do Salvador, hoje a Câmara de Vereadores. Há muita informação sobre ele, que foi procurador da Bahia, defendeu os interesses dos proprietários de engenho de cana e defendeu o quanto pode a criação de uma universidade na Bahia, no século XVII. Registros não só dele, também de seu pai, avô, e irmãos estavam em documentos cujos originais já não existem mais, mas por sorte foram publicados pela Prefeitura Municipal da Cidade de Salvador.
P - E sobre o magistrado Gregorio de Mattos?
R - Sobre o juiz de fora, juiz do cível, representante do Brasil nas cortes, há documentação em elementos da língua espanhola, vocábulos africanos, indígenas e do português falado no Brasil, são traços particulares do poeta?
R - Gregório de Mattos usou sobretudo os termos indígenas e africanos no sentido pejorativo, para estabelecer uma comparação negativa com determinados elementos importantes da sociedade baiana da época, que se davam ares de grande destaque. Quando utiliza esse vocabulário - que enriquece muito sua poesia - o faz com o sentido satírico e não com a preocupação barroca de acrescentar elementos múltiplos à criação. Mas ele realmente ampliou os meios expressionais da poesia barroca do Brasil, pela incorporação de vocábulos indígenas e africanos.
P - Para o crítico, torna-se difícil se desvencilhar da personalidade de Gregório para concentrar-se numa análise que se detenha no texto, ou mesmo intertextual?
R - A obra de Gregório de Mattos sobreviveu através de apógrafos. Não há um único poema assinado por Gregório entre os mais de 700 que James Amado reuniu nos sete volumes da edição das obras completas. Aspectos da vida do poeta se harmonizam com a visão satírica que os poemas revelam. Na mesma época, existiram poetas dessa linha satírica, cuja linguagem se aproxima muito da de Gregório de Mattos. Mas, certas situações só poderiam ter sido vividas por um poeta satírico que aqui estivesse radicado.
Saber, por exemplo, que ele foi demitido do cargo de tesoureiro da Sé, pouco depois de chegar à Bahia, lança luz sobre o fato dele ter uma aversão profunda pelo clero. As informações biográficas estabelecem certos nexos que ajudam a compreender a poesia satírica de Gregório de Mattos e conceber que realmente um poeta como ele a escreveu. O estilo de época era muito universal, os procedimentos poéticos do barroco, os recursos retóricos, os tropos eram uniformes entre a poesia portuguesa, a castelhana e, naturalmente, a poesia brasileira, da época. Esta recebia influência natural, um processo normal de intertextualidade, das duas outras - sobretudo da poesia castelhana, que influênciou também poesia portuguesa. O gongorismo foi avassalador. Já o quevedismo é a particularidade satírica de Gregório de Mattos. Embora Quevedo tivesse, por exemplo, escrito poemas de uma inquietação religiosa, sobretudo uma obsessão com a idéia da morte, do aniquilamento físico do homem. Esse problema de apógrafos não atinge só á obra de Gregório. Há uma boa quantidade de poemas de Quevedo e do próprio Gôngora que não foram publicados com assinatura, sobre os quais existe grande controvérsia.
P - Quando a posição ideológica do poeta contrária às instituições estabelecidas se afirma?
R - As pesquisas, inclusive realizadas pelo professor Fernando Peres, mostram que Gregório de Mattos ocupou cargos importantes na magistratura de Lisboa, o que para um brasileiro, na época, era de grande significado. Ele casou-se com a filha de um magistrado importante, o que deve ter facilitado seu acesso, mas não bastaria para que ele fosse nomeado magistrado em Lisboa. É no retorno ao Brasil que o lado satírico se aguça, embora atribuam a ele um poema escrito em Portugal chamado Marinicolas. Poderia afirmar com convicção, pelo estudo que fiz, que o Gregório importante para a literatura brasileira nasce com a volta à Bahia. Há uma mudança na sua conduta de vida, concepção de mundo e nas suas relações sociais. Ele começa a ser o homem que ia com os amigos fazer grandes caçadas e farras no Recôncavo, ou nos bairros afastados de Salvador daquela época - Brotas, Rio Vermelho... - nomeados na poesia dele. Passa a atacar os padres, os representantes do poder constituído, as relações econômicas Brasil-Portugal . Era um homem de família rica, mas um produtor rural brasileiro prejudicado pela política portuguesa. Em alguns poemas, ele denuncia inclusive que as naus de Portugal vinham cheias de pedras e voltavam abarrotadas com as riquezas da terra. Até por esse aspecto sua poesia é importante, porque já revela uma certa consciência anti-colonialista se formando nas elites econômicas brasileiras da época. Muitos críticos dizem que Gregório não tinha sentimento patriótico. Como nós temos hoje em dia, certamente n
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