Frei Agostinho da Cruz

Frei Agostinho da Cruz

Agostinho Pimenta, mais conhecido como Frei Agostinho da Cruz, foi um frade e poeta português.

1540-05-03 Ponte de Lima
1619-05-14 Setúbal
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Alguns Poemas

ELEGIA II Da Arrábida

Alta Serra deserta, donde vejo
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:

Aquela saüdade que me manda
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saüdosa, e branda?

Daqui mais saüdoso o sol se parte;
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo, se reparte.

Aqui sob-lo mar dependurado
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.

Duvido poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra dura
Com quem assim se beija, assim se abraça.

Mas ouço queixar dentro a Lapa escura,
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura.

Eis por cima da rocha áspera descem
Os troncos meio secos encurvados,
Eis sobem os que neles enverdecem.

Os olhos meus dali dependurados,
Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos
Como, quando, por quem foram criados?

Respondem-me em segredo mil segredos,
Cujas primeiras letras vou cortando
Nos pés doutros mais verdes arvoredos.

Assim com cousas mudas conversando,
Com mais quietação delas aprendo
Que outras que há, ensinar querem falando.

Se pelejo, se grito, se contendo
Com armas, com razão, com argumentos,
Elas só com calar ficam vencendo.

Ferido de tamanhos sentimentos
Fico fora de mim, fico corrido
De ver sobre que fiz meus fundamentos.

Ali me chamo cego, ali perdido,
Ali por tantos nomes me nomeio,
Quantos por culpas tenho merecido.

Ali gemo, e suspiro, ali pranteio;
Ali geme, e suspira, ali pranteia
O monte, e vai de meus suspiros cheio.

Ali me faz pasmar, ali me enleia
Quanto colhendo estou da saüdade,
Que por toda esta terra se semeia.

Ora me ponho a rir da vaïdade,
Ora triste a chorar com quanto estudo
Erros solicitei da mocidade.

Tudo se muda enfim, muda-se tudo,
Tudo vejo mudar cada momento:
Eu de mal em pior também me mudo.

Soía levantar meu pensamento
Assentado sobre estas penedias
Duras, eu duro mais nelas me assento.

Punha-me a ver correr as águas frias
Por cima de alvos seixos repartidas,
Que faziam tremer ervas sombrias.

As flores, que levava já colhidas,
Passando pelos vales enjeitava
Por outras doutra nova cor vestidas.

O livre passarinho, que voava,
Cantando para o céu deixando a terra,
Da terra para o céu me encaminhava.

Cuidei que se esquecesse nesta Serra
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz guerra.

Oh! quem vira naquela fortaleza
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma acesa!

Quão firme, e quão quieto, e quão seguro
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro duro!

Mas se agora de mim me não confio,
Se fujo, se me escondo, se me temo,
É porque sinto fraco o peito frio.

Alevantam-se os mares; e pasmo, e tremo:
Vejo vento contrário, desfaleço,
A corrente das mãos me leva o remo.

Confesso minha culpa, bem conheço
Que por mais graves males que padeça
Menos padecerei do que mereço.

Mandais, Senhor, que busque, bata, e peça,
Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor,
Sem haver cousa em mim que vos mereça.

Com os braços na Cruz, meu Redentor,
Abertos me esperai, co lado aberto,
Manifestos sinais do vosso amor.

Ah! quem chegasse um dia de mais perto
A ver cos olhos de alma essa ferida,
Que esse coração mostra descoberto!

Esse, que por salvar gente perdida
De tanta piedade quis usar,
Que deu nas suas mãos a própria vida.

A sangue nos quisestes resgatar
De tão cruel, e duro cativeiro,
Vendido fostes vós por nos comprar.

Padecestes por nós, manso Cordeiro,
Pisado, preso, e nu entre ladrões,
Ardendo o fogo posto no madeiro:
Arçam postos no fogo os corações.
Poeta português, nascido em Ponte da Barca. Agostinho Pimenta adoptou o nome de frei Agostinho da Cruz quando se tornou frade capuchinho, aos vinte e um anos de idade.

Tal como o irmão, Diogo Bernardes, cantou a Natureza, facto que se deveu à sua íntima relação com a serra da Arrábida, onde fez o noviciado e viveu como eremita de 1605 até à morte.

Conhecia a serra de lés-a-lés, e a presença desta é de tal modo constante que é quase impossível separar a sua poesia do espaço geográfico em que se inscreve. São comuns as referências à flora e à fauna piscatória da região, sendo as personagens dos seus poemas pastores e pescadores, também eles símbolos da solidão.
Nos sonetos, éclogas, elegias, odes e canções que escreveu está patente a sua opção por uma vida dedicada à contemplação, assim como o seu desejo de reclusão.

A influência de Camões ecoa em muitos dos seus poemas, mas o seu estilo, recheado de hipérbatos, antíteses e paralelismos deixa já adivinhar alguns traços do maneirismo e da poesia barroca.
A sua obra só começou a ser publicada no século XVII, e ainda hoje, na ausência de uma edição crítica, subsistem dúvidas quanto à autoria de alguns poemas. Frei Agostinho da Cruz é, sem dúvida, um dos maiores poetas místico-religiosos de toda a poesia lírica portuguesa. Em 1918, com prefácio e anotações de Mendes dos Remédios, foi publicada a sua poesia sob o título Obras. Conforme a Edição Impressa de 1771 e os Códices Manuscritos das Bibliotecas de Coimbra, Porto e Évora
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