Lúcio Cardoso
Joaquim Lúcio Cardoso Filho foi um escritor, dramaturgo e poeta brasileiro.
1913-08-14 Curvelo
1968-09-22 Rio de Janeiro
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Lúcio Cardoso foi um poeta, dramaturgo e prosador brasileiro, nascido em Curvelo, Minas Gerais, a 14 de agosto de 1912. Um dos autores mais importantes surgidos e ativos nas décadas de 30, 40 e 50, ainda que a historiografia literária do país, por muito tempo, tenha relegado à margem o trabalho de escritores como Cardoso, ou ainda Cornélio Penna e Rosário Fusco, por não se enquadrarem na estética hegemônica do período, com o neorrealismo (excelente) dos regionalistas. Seu trabalho mais conhecido é sua prosa, especialmente com a obra-prima Crônica da Casa Assassinada (1959), mas o autor deixou duas coletâneos de poemas, Poesias (1941) e Novas Poesias (1944), além de inéditos mais tarde reunidos em Poemas inéditos (1982). Esta última publicação ocasionou um ensaio interessante de José Paulo Paes sobre o mineiro. Sua obra poética foi reunida em Poesia Completa (São Paulo: Edusp, 2012), com organização de Ésio Macedo Ribeiro, que já havia dedicado um livro ao autor, seu O Riso Escuro ou O Pavão de Luto: Um Percurso pela Poesia de Lúcio Cardoso, lançado pela Nankim. O Diário Completo (1961) de Lúcio Cardoso é também uma leitura fascinante. O escritor mineiro morreu no Rio de Janeiro, a 28 de setembro de 1968.
"Estranho dom: Deus deu-me todos os sexos."
Lúcio Cardoso, Diário Completo.
Numa época que prezava (e ainda preza tanto) pela secura e o mito da objetividade pura, as acusações mais frequentes ao trabalho de Lúcio Cardoso são a de uma estilização exagerada em sua linguagem. Em seu belo ensaio "On style", Susan Sontag trata deste desafio crítico, que por vezes acaba por ver uma espécie de desonestidade em trabalhos que transfiguram, em suposta demasia, a realidade pela linguagem, ou que não a tratam de forma que certos críticos e ideólogos quereriam direta, sem filtros. Quando se usa o adjetivo "impressionista" para um grande escritor como Raul Pompeia, por exemplo, sente-se aí o mesmo preconceito - e falácia. Coincidência serem ambos homossexuais, os primeiros autores visíveis abertamente homossexuais da literatura brasileira? Seria tentador recorrer a Sontag aqui, mais uma vez, e pensar no conceito de camp em literatura. Mas isso poderia ser, concordaria, desencaminhador. Eu prefiro pensar na ideia de travestir da linguagem. Para homens e mulheres como Raul Pompeia ou Lúcio Cardoso, muito do que é tido como natural é visto pelo que é para eles: uma construção hegemônica. A realidade, para estes homens e mulheres, vem inevitavelmente tingida de violência psicológica. Daí, a maior violência de linguagem em autores como Pompeia, Cardoso ou, mais recentemente, Roberto Piva. Esta discussão, no Brasil, é perigosa, pois é vista por alguns críticos e ideólogos como mero efeito colateral do politicamente correto, temerosos que são de um possível revisionismo do cânone. Estou tentando tratar disso em um ensaio mais detido sobre o trabalho de Pompeia, Cardoso e Piva.
“Montherlant diz — e não pode haver testemunho mais insuspeito —
que o homossexualismo é 'a própria natureza'. No que tem razão,
pois no ato de duas pessoas do mesmo sexo se unirem, há um esforço
da natureza para se realizar até mesmo sem os meios adequados.”
Lúcio Cardoso, Diário Completo.
A conversa é complicada, estou ciente disso, já que é certo que outros escritores utilizam esta violência de linguagem por outras causas e consequências. Ma me parece uma conversa mais válida e necessária.
--- Ricardo Domeneck