Pessoas
Vê só, me tornei Fernando Pessoa. Mulher de mil personalidades, poemas escassos e embaraçados, cabelo sem lavar, café frio na mesa e a poesia do cigarro com mancha de batom no filtro. Clichê e profundo. Muitos leem livros que nem escrevi, mas afinal, talvez não saibam meu nome ou em quais heterônimos transpareço meu eu – lírico? Em minhas aulas tento explicar como revelar a essência por trás de cada signo linguístico, provar que o título pode dizer tudo se alinhado corretamente ao contexto. E as variáveis? As variáveis foram feitas para indagar-se, para corromper e animar o ser através das páginas, como as luzes de natal queimando sozinhas uma-a-uma, revelando que a beleza são pequenos pontos acesos quando já chegou a páscoa.
O primordial é o que não se pode enxergar sem cavar, e cavar, e cavar, e cavar, até chegar ao fim do livro, perceber que sempre virão novas edições. Caso você não perceba, você não conhece a vida alinhada à literatura, você não sabe que inferências existem, e que a professora Taíza é a melhor. Se você não sente o dom da vida na ponta da língua, Fernando Pessoa e nós, pessoas, não existimos. Mas vem cá, deixa eu te contar ao pé do ouvido, que sim, nós não existiríamos sem um “quê de djavu e mc marcinho”, sem o romantismo de Álvares de Azevedo, o natural tão escrachado de Aluísio, o realismo de Machado...ah, Machado! Sem tu seriamos memorias póstumas...Fogo nos vizinhos!
Onde eu pretendo chegar? Só meu coração sabe. O seu também? Pra sentir a pulsação é preciso ter enredo. Ouso até dizer que menos com menos dá no mesmo, dependendo do que se foi lido, dos personagens e da matemática que te trouxe aqui. Não digo que o fluxo de consciência é escasso. Não mesmo! Amo Clarice. Mas sem uma pretensão, todos somos.
Hoje eu ponho os pés no chão pra tentar enxergar em que personagem parei, ora, se sou Fernando Pessoa, por que não me amar como amo em meus versos? Sou um deles. Ou ele é um meu? Me perco nas linhas, já que a casa anda tão vazia, preciso de uma pausa pra esquentar o café, sentir novamente o sabor da vida sem adoçante. No fim, o que entristece são as más cabeças que preferem não enxergar a dureza rica de um analfabeto, que sente sem vírgulas, não usa crase, perdoando o sistema por não ter dado a chance de saber usar um ponto final em início de frase. Outra coisa que quero te explicar: Os alfabetizados também não sabem, pois não têm o letramento da alma.
Eu deixo que o destino cale as bocas ‘desternuradas’, nego tornar-me Alberto Caeiro, mesmo já tendo-o em minha essência, e permaneço aqui, amando mais do que meu nome permite.
“O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos (Lucille)